10 novembro 2004

Corpo vício

foto: Ernesto Timor

Inalou profundamente o fumo:
- Nem me lembro o porquê.
Foi há tão pouco tempo. Foi há tanto tempo.
Foi numa saída à noite? Numa brincadeira com amigos?
Foi por estar triste demais? Alegre demais?
Foi para mostrar coragem? Foi para arranjar coragem?
Não sei já.

Podia contar-te uma história qualquer, mas a verdade é que não sei. Não interessa.
Sei do corpo chaga aberta quando não o alimento, quando não lhe dou o que precisa para não doer.
Sei do prazer.
Sei da ausência de corpo, de emoções.
Sei do sentir-me forte quando alimento o corpo. Sei da dor quando em ressaca.

Corpo… Vício.

Família? Laços?
Cortei-os todos, ficaram para trás.
Pedi-lhes demais. Exigi demais.
Destruí, sequei tudo e todos à minha volta.
Esquemas? Roubos? Sei disso tudo. Fiz tudo.
Vendi tudo. Vendi-me.
O meu corpo é vício. É só.

Se estou arrependida?

-Arranjas-me umas moedas? Só umas moedas?
Não?
Adeus

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