25 janeiro 2005

Cinema Paraíso

Oh Manela, se eu recuar no tempo lembro-me daquele rapaz morenão, sempre vestido de preto, com os músculos todos no sítio, semelhante ao Gregory Peck da década de 50, que conheci na arrastada e imensa nuvem de fumo do Rock Rendez Vous.
Como mais tarde disse o Carlos Tê, nós «ouvíamos a mesma canção» e na época não perdemos o «Silvestre» e o «Sem Sombra de Pecado». Aliás, imitávamos o cinema no escurinho de quatro paredes. Lembro-me que foram muitas as vezes em que ele me pediu para imitar a Vitória Abril, descendo o meu ventre sobre a sua boca de lábios carnudos e língua sólida e ginasticada, nas tardes que passámos em quartos de pensão, daqueles com bidé à vista da cama e um pesado copo de vidro na prateleira, também de vidro grosso, sobre o lavatório.
O «Conhecimento do Inferno», «A Explicação dos Pássaros» e até a «Memória de Elefante» ficaram com as páginas bastas vezes espalmadas entre o ruidoso e usado colchão de molas e as nádegas firmes e macias dele que as minhas mãos tacteavam enquanto me baloiçava sofregamente. Lembro-me da frase habitual dele: «o meu amiguinho com 2 cérebros do tamanho de uma azeitona, sempre que tem estes pensamentos em forma de leite condensado, fica vergado».
E como sabes, Manela, o leite condensado sempre foi uma das minhas sobremesas preferidas... Quando lanchávamos em casa dos nossos pais, as tartes de leite condensado eram sempre uma cumplicidade mastigada depois dos exercícios arriscados no elevador parado entre dois andares.
Depois, Manela, como não há bem que sempre dure e mal que nunca acabe, uma estrada incluiu-o nas estatísticas da maior causa de morte em Portugal.

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