24 abril 2005

Clandestino

Oh São só te posso dizer que nós vivíamos cada dia como se desconhecessemos se havia manhã seguinte, pela nostalgia da guerrilha que não vivemos por sermos apenas crianças em 1974.

Com toda a franqueza São, na rotina de um dia fraco, outro forte, ambos nos deitávamos com quem nos esboçasse um sorriso terno, alinhavasse meia dúzia de ideias com nexo e através do corpo nos comunicasse o desejo de fazer da efemeridade da vida uns momentos de eternidade.

Como clandestinos, marcávamos encontros sempre em sítios díspares do país, por acaso ou não, sempre com mais quilómetros para o lado dele do que para o meu.

Na sua querida presença, ritualmente eu observava a sua criteriosa preparação do charro de haxe marroquino que depois de aceso, passávamos um ao outro, passando em revista o que tinham sido as nossas vidas desde a última vez. Pouco importava se era uma espaçosa cama ou uma enxerga rangente que acolhia o embate dos nossos músculos e ossos, em mãos desgovernadas palpando cada centímetro da pele ansiada. Da boca ao sexo e do sexo à boca, era um vaivém ininterrupto que nos fazia girar costas com peito em jeito fetal, púbis com púbis ou seios à mercê da boca, olhos nos olhos até balbuciarmos amen.

Eu não te disse antes, São mas ele costumava dedicar-me poemas entre os muitos que fazia. Um dia, mostrou-me para que comentasse, um pequenito, dedicado a uma amiga de infância e actual vizinha, seguidora de preceitos religiosos e casada com um traste que infernizava a vida a ela e aos filhos. E porra, São, tu acreditas que eu não consegui impedir um acesso de ciumite que me toldava os olhitos e nem saber ler me deixava?...

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Uma por dia tira a azia