26 abril 2005

Às vezes ele dizia assim: “És tão bonita que me dói:”
Ela não acreditava. Ele era assim charmoso, a todas as amigas tratava por “minha querida”, exactamente como fazia com ela.
Ele dizia: “Mas quando te chamo ‘minha querida’ a ti é diferente.”
Ela não acreditava. Aquilo estava-lhe na ponta da língua como a insegurança estava à flor da pele dela.
Outras vezes ele, impaciente, dizia assim: “Já não sei como hei-de falar contigo. O que é que não percebes de tudo o que te digo?”
Ela acreditava. Acreditava que ele estava já farto dela.
Depois deitavam-se à noite, em silêncio, um oceano de gelo entre eles, cada um agarrado à sua ponta da cama, costas com costas. Dormiam assim até de manhã.
Depois isso deixou de acontecer. Disseram-me que ela dorme agora sozinha, que encosta a testa à janela e aí fica até o cansaço a vencer.
Ele deita-se na minha cama. Não dorme. Deita-se e puxa-me para o seu peito, de modo a não me ver o rosto. E fala dela como se falasse com ela. Eu apago a luz e fodemos depressa, sem jeito, sem paixão.
Digo-lhe “boa noite”. Responde-me “boa noite, querida”. E ela não sabe que esse “querida” é para ela. E eu guardo-o na caixinha dos anéis e de manhã, sozinha na minha cama, penso que há anéis que me apertam demais os dedos e saio para a rua de mãos nuas desejando encontrá-la para lhe perguntar: “Como tens passado, minha querida?”

Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma por dia tira a azia