17 janeiro 2006

Dueto de cordas

Tocava contrabaixo, que era um instrumento proporcional à sua altura e largura enquanto eu me deliciava a ouvir aqueles acordes roucos riscados nas cordas feitos o meu tapete mágico para levitar sobre a cidade, sobretudo nas improvisações jazísticas dedilhadas.

Usualmente tratava-me por minha gatinha, autêntica música para os meus ouvidos e pauta para eu remover da sua frente o instrumento de cordas e percorrer uma escala de ronronadelas enquanto frente a frente encostava compassadamente o meu corpo ao dele, pernas com pernas, braços com pescoço, nariz com nariz, língua com língua. Naquela orquestração virava-me então e baixava meus braços até as mãos se espalmarem no chão erguendo à linha do seu olhar o traseiro ondulante que em harmonia ele puxava para si como um violoncelo encaixando-o no seu arco para um virtuoso acústico.

Com o passar do tempo - e talvez fortemente influenciada pela nossa notória diferença de tamanhos - aquela alma decidiu-se por um novo arranjo para os ritmos sedutores e relaxantes iniciado com um anda cá, minha linda, vem aqui ao papá… que Sãozinha, progressivamente, me soou de som minimal a uma completa desafinação que me reduzia o prazer musical a tamanho menor que uma semibreve e dei por terminado o concerto repetitivo.

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