22 maio 2006


Havia muito tempo que não sentia a quentura de um olhar assim toldado pelo desejo.
Parece treta lírica barata, mas foi assim que mo contou e acredito que foi assim que o sentiu.
Uma coisa era o desejo morno que lhe chegava com os piropos, com as cabeças que se viravam para a seguir com o olhar. Uma coisa era o desejo esperado de um envolvimento que começava com os beijos e carícias costumeiros e que ela já sabia de cor.
Outra coisa tinha sido este calor. Aquela espécie de calor que turva o olhar de quem o sente, que faz os gestos surgir incertos, que enrola na língua as palavras.
Foi tudo isto que viu nele. Num breve momento, daqueles que são um pequeníssimo instante, um sopro pelo qual mal damos se nos calha distrairmo-nos a acender um cigarro, mas um instante infernalmente quente, daqueles que geram a primeira onda de volúpia.
Não tinham faltado sinais de que ele a queria, tanto como outro qualquer, uma resposta fácil e imediata aos impulsos animais de cada um. Mas este olhar, este fogo que por um instante brilhou no seu olhar, o quase constrangimento, conferiram-lhe uma certa nudez, daquelas que nos despem o pensamento.
Por um instante, brevíssimo, ela sentiu-se poderosa. Foi o poder de, ainda que por um instante, estar no controlo, o leme era seu, levava-o onde ele suplicava que fosse, ou não. Ela decidia perante a total incapacidade do homem, por um instante refém de um desejo que não esperara tão intenso.
Há instantes assim. Raríssimos. Estes são quase de corpo e alma. O que vem depois já não interessa, depois é sempre igual. É este o momento. Absoluto. Pleno.
Ou, pelo menos, assim mo contou.

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