19 setembro 2006

O Divórcio ou por que tem tudo de ser normal?

O meu advogado liga-me, tem urgência em falar comigo.
– Pode vir já?
– Posso.
Vou.
Faz-me esperar, mandam-me entrar, cumprimenta-me e avança:
– Há um problema com o seu divórcio.
– Um problema?!
– Sim, um problema.
– Qual problema?
– A sua mulher.
– A minha mulher não é um problema do divórcio, é do casamento.
O advogado sorri só para me fazer o jeito.
– Ainda bem que está bem disposto…
– Estava. Afinal qual é o problema?
– A sua mulher disse-me que já não se quer divorciar.
– Não?! Porquê?
– Diz que ainda o ama.
– A mim?
– A mim é que não é!
– Vejo que está bem disposto.
– Achei graça à sua cara. Desculpe lá.
– Mas quando é que ela lhe disse isso?
– No sábado à noite.
– À noite?! No sábado à noite!?
– Estivemos a jantar.
– Estiveram a jantar?
– Sim, estivemos.
– E?!
– E jantámos bem, fomos a um restaurantezinho simpático, sossegado. Correu bem.
– Oiça lá, ó doutor, há aqui qualquer coisa que me está a escapar.
– Diga, homem, desembuche!
– O doutor chama-me aqui para me dizer que a minha mulher lhe disse ao jantar que já não se quer divorciar…
– Não foi ao jantar.
– Não?! Então foi quando?
– Foi depois. Fomos beber um copo…
– Não! O doutor está a gozar comigo, não está? Foram beber um copo!?
– Foi…
– E ela disse-lhe que já não se quer divorciar?! Que ainda me ama?!
– Sim, disse. Disse depois.
– Depois de quê?! (Nem sei se quero saber.)
– Quer ou não?
– Não sei… Quero… Diga lá, depois de quê?
– Depois de bebermos uns copos no bar e de termos ido para casa…
– Para casa?! Para casa de quem?
– Ah! Hum… Acho que isso não é muito importante…
– Foram para a minha casa?!
– Para a casa dela.
– E minha, desculpe!
– E sua, sim.
– E ela já não quer o divórcio?
– Pois não.
– E disse-lhe que ainda me ama?
– Pois foi.
– E o doutor?
– Eu não o amo.
– Quanto a isso estamos descansados!
– Ah! Ah! Ah!
– O que é que o doutor fez?
– Vim-me embora.
– Vestiu-se e veio-se embora?
– Pois foi, vesti a camisa e vim-me embora. Ela ainda o ama.
– E não fizeram nada?
– Pouca coisa.
– Estou a ver… E ela já não se quer divorciar?
– Já lhe disse. Não, não quer.
– E está a contar-me isto tudo porquê?
– Como seu advogado tenho de ser completamente leal e franco.
– Ah! Tentar dormir com a minha mulher é ser leal?!
– Os senhores estão separados.
– Estou a ver.
– Ah! Ah! Ah!
– Está a rir-se de quê?
– É mentira! Ah! Ah!
– É mentira? O que é que é mentira?
– A parte de nós termos feito pouca coisa.
– Desculpe?
– Está desculpado!
– O doutor esteve a beber?
– A beber?!
– Sim, a beber bebidas alcoólicas, esteve?!
– Hum, ao almoço bebi qualquer coisita…
– Qualquer coisita, não me diga…
– Quer dizer, não foi bem qualquer coisita.
– Estou a ver e exactamente em que momento é que ela lhe disse que já não se queria divorciar?
– Em que momento? Em que momento exacto?!
– Sim, quando é que foi?
– Quer saber, mesmo?
– Quero, agora quero!
– Foi quando eu estava a tentar tirar-lhe o soutien e as cuecas.
– Foi?!
– Foi, mas não consegui. Já estava um bocadito tocado, sabe? E tentei fazer tudo ao mesmo tempo… Acho que fui um bocado desastrado.
– Estou a ver… E ela, então, disse-lhe que já não se queria divorciar?
– Pois foi. Veja lá! Levantou-se e disse que não conseguia trai-lo, que ainda o amava, que já não se queria divorciar e pediu-me para sair.
– E o doutor?
– Eu não estava em condições de a contradizer ou insistir no divórcio… Tinha de dizer mal de si, está a ver?
– De mim, porquê?
– Então, tinha de lhe dizer que você é um pulha, um animal, uma besta, sei lá, qualquer coisa para lhe mostrar que o único caminho é o divórcio…
– Não podia fazer a coisa por menos?
– Se a queria comer, não. Tinha de ser definitivo!
– Mas não disse?!
– Claro que não, afinal você é meu cliente, tenho ética, escrúpulos…
– Ainda bem…
– E além do mais, naquele estado já não conseguia comer nada. Ia fazer uma figura triste.
– E nós não queremos isso!
– Você não sei, mas eu não quero.
– E para pedir a conta é a quem?
– Qual conta?
– A sua, os honorários do doutor…
– Porquê?! Não me diga que ficou ressentido comigo. Olhe que eu acho…
– Não, não fiquei nada ressentido, mas se já não há divórcio, podemos arrumar o processo.
– Estou a ver, estou a ver, é capaz de ter razão. O melhor é reconciliarem-se. Olhe que não arranja melhor.
– Não?
– A sua mulher é um pedaço, com todo o respeito, mas é um pedaço… Foi uma pena eu não me ter controlado na bebida, tinha sido uma noite de sonho…
– (Mas não melhor que esta tarde.)
– Diga?
– Nada, nada. O doutor acha que a provisão que lhe dei chega?
– A provisão? Ah! Sim, sim, é capaz… Chega! Gosto quando as coisas acabam em bem. Ficamos assim e não se fala mais nisso.
– Então, boa tarde.
– Boa tarde, olhe!
– Diga?
– Mas se se quiserem divorciar outra vez, avise-me, está bem?
– Esteja descansado, doutor, esteja descansado. (Venho logo a correr.)

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