14 fevereiro 2007


De manhã, quando acordou e se levantou da cama desalinhada, parou em frente ao espelho contando as rugas. Eram já muitas. Quando teriam começado a surgir? Despiu-se para o duche matinal e continuou o exame. O corpo. Aproximava-se dos quarenta e tinha o corpo morto.
Não só o corpo.
Nesse dia sairia de casa, como de costume, para ir trabalhar, e encontraria casais de namorados, de mãos dadas, ramos de flores nas mãos, trocando beijos ansiosos e felizes.
Que era tudo um negócio, ela sabia; mas o que sentia era bem diferente.
Mais do que lembrar-se daqueles que amou, pensou naqueles que a tinham amado. Pensou nas flores que tinha recebido, nos convites para jantar, nas surpresas à saída do escritório. Pensou em tudo o que já tinham feito por ela e na forma como tudo isso que agora lhe parecia tanto, lhe tinha então sabido a quase nada. Pensou naquele, o amor mais absoluto que alguma vez lhe ofereceram, desses que não esperam nada em troca porque há circunstâncias que não se mudam. Pensou nesse amor que tanto maltratou e que agora a entristecia mais do que as rugas e o corpo morto, e pensou que nada lhe teria custado ter sido menos dura, apenas porque um amor assim, ainda mais quando não se merece, é impagável e irrepetível.
Tanto tinha escolhido e tão pouco tinha cedido que agora lhe restava olhar-se ao espelho.
Saiu de cabeça levantada, que a solidão é de cada um, e não para ser ostentada como orgulhosa rosa ao peito. A máscara só se quebrou lá para o final da manhã quando um colega de trabalho lhe deu um beijo na testa dizendo que, pelo menos, sem um beijo ela não ficaria nesse dia que mais do que dos namorados, era dos que tinham sabido receber o amor que alguém tinha para lhes dar.

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