27 outubro 2008

Tanya

por Charlie

Olhei para ela, olhos nos olhos.
Não desviou o olhar, mantendo-o fixo no meu, interrompendo apenas para abrir a carteira e pagar o café que tomara ao balcão.
Tinha reparado como entrara, na sua elegância e postura suave e confiante. Como se dirigira ao empregado que arrumava umas chávenas por cima da máquina e como através do espelho me mirara. As pernas longas num corpo a sobressair dum vestido sem alças, a pele clara e o cabelo louro fizeram-me pensar que ela seria de origem nórdica ou eslava. Talvez sim, talvez não, pensei. O retirar dos óculos escuros no mesmo instante em que os nossos olhos se cruzaram através do espelho confirmaram a primeira impressão. Azul do céu, arrepiantemente frios a contrastar com o quente vermelho dos lábios sobre uns dentes ultra brancos a construir um etéreo sorriso de cinema.
- Sou de Moscovo – disse-me já no carro - e estou aqui há já algum tempo. - em resposta à minha pergunta sobre o seu nome.
Tinha ficado na rua à espera dela, saindo rapidamente mal a vira abrir a mala, olhando como ela saíra em passo apressado quando reparara que eu já não estava à mesa. Um “olá” já na rua e uma franca troca de olhares tinham feito o resto.
- Mas falas bem Português. -
- Sou tradutora. Estudei Português e ainda fiz trabalhos de tradução em gabinetes de tradução simultânea antes de vir para a Europa.
- É um trabalho bem pago... eh... -
- Considerando o rendimento médio na Rússia, nem ganhava mal. Em Moscovo até era frequentadora regular do Turandot e do GQ Bar - disse a rir.
Pensei no que me acabara de dizer.
Esta noite iria custar-me uma nota.
Estivera havia já uns anos à porta do restaurante que ela acabara de mencionar, e a minha vontade de conhecer aquele espaço requintado, de decoração barroca com laivos de rococó toda em dourados, onde o requinte chega ao ponto de ter um grupo de câmara a tocar Mozart, ficara-se pela entrada.
Alinhado com a minha visão dos tectos de relevo em frescos e suportados por colunas de mármore polido e trabalhado, estava a lista; o menú com os pratos do dia e outros, cujos preços me omito de referenciar.
- Então como vieste para cá? Ou melhor, porque estás cá? -
- Bem, estive em Bruxelas duas vezes, depois fiquei umas semanas e finalmente vim com um diplomata e fiquei aqui. Sou acompanhante, uma acompanhante... especial. -
- Já vi que não queres dizer-me o teu nome, mas gostaria de chamar-te algo, sei lá...-
- Podes chamar-me Tanya. -
Durante uns segundos deixei os cavalos do SLK - a descer a avenida em aumento rápido de rotações - preencher o silêncio antes de abrandar ao entrar na rotunda do Marquês e perguntar-lhe:
- Vamos jantar, Tanya? Preferes algum lugar em especial, ou deixas que eu te leve a um sítio à minha escolha?
- Nyet! Não... Jantar não. Talvez depois, agora quero mesmo é ir para o Hotel.
- Tens preferência?-
- Só vou ao Ritz...- respondeu enquanto olhava fixamente para o meu pulso onde o Rolex testemunhava surdo na sua marcha persistente e monótona de contar o tempo.

A noite trouxe o frio do parque para dentro da suite quando o seu corpo nu junto à janela se desenhou em silhueta contra a luz de cores difusas com que a cidade lavava o escuro do céu.
Na cama, o meu corpo suado estremeceu levemente com a entrada duma lufada de ar que ali me pareceu gélido.
- Tanya... Não tens frio? –
Rodou o corpo, e adivinhei-lhe um sorriso.
- Nyet...Se conhecesses Moscovo...-
- Por acaso até conheço - disse-lhe.
- Então?... Isto nem é frio...-
- Estive lá de Verão... Escuta, sei que talvez não seja agora apropriado, mas antes de sairmos para comermos qualquer coisa, e já que há bocado não me quiseste adiantar, gostaria que me dissesses... entendes? -
Aproximou-se devagar, perna ante perna até encostar o sexo aos meus olhos. Depois, pegou no telefone do quarto, premiu um dos números e esfregou-se levemente pelo meu rosto enquanto esperava o atendimento:
- Sim? Olhe, traga uma garrafa de champanhe e ostras, por favor... Como? Ah sim, claro. Dom Perignon...-
E pousando o auscultador, deitou-se sobre mim e disse-me:
- Há já algum tempo que reparei em ti. Tens um carro igual ao meu...
Hoje...
Hoje estás por minha conta.
E se queres saber um segredo, vou dizer-te o meu nome verdadeiro: Tanya... -

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