22 novembro 2008

«A minha primeira ida à Lerna» - por Bartolomeu

"Inda malembra muita bem da minha primeira ida à Lerna.
Foi um primo mais velho, uma tarde de sábado, que achou ter chegado a altura própria de ir à Lerna.
E lá fomos de cumboio inté ao Caxidré, depois apanhámos o inlétrico pró Camões e a seguir infiámonos todos pelas ruelas estreitas do bairro alto.
- Alto! - Disse-lhe eu - mas afinal pradondé que me levas?
- Tá caladinho, Bartolomeu, couje é o dia dires à Lerna.
- Mas quem raio é essa Lerna queu nunca óbi falar?
- Cando lá xigares vais ver.
- Mas quem te disse queu quero lá chigar?
- Sei eu, porra, e vê se te calas de uma vez.
Meio contrariado lá continuei, tentando acompanhar o passo apressado do meu primo Julião, a quem eu atirei só pó arreliar:
- Ó Julião, agarra-me aqui ca mão, leva-me até à estação, sa estação estiver fechada, leva-me até à estrada, se a estrada tiver uma ranheta, bate-maqui uma punheta.
Mas o Julião fez oubidos de mercador e cuntinuou na sua passada apressada caté parcia quia tirar o pai da forca.
Desrepente, o mê primo pára infrente a uma porta velha pa caráças e disseme:
- Entra aí, ó fala-barato.
- Aqui?! Foda-se, isséquera, nem penses.
- Cal é a tua chaval? estás com medo de quê?
- Man, tu pensas co je é tótó? Esta merda está à beira da ruína, aposto os colhões em como o senhorio já recebeu mais intimações para fazer obras do que folhas de papel higiénico eu já gastei para limpar o cu desde que nasci.
- Cala-te, caralho, e entra antes que te assente um calduço que vais apanhar a trunfa lá abaixo ao fundo da rua.
Perante tais argumentos decidi não contrariar o primo e fui logo entrando na caverna da Lerna.
- Fónix, primo, ca escuridão do caralho, um gajo vem ca bistinha feita à luz do sol lá da rua, chega aqui e não vê népias.
E trungas, fudi-me logo todo no primeiro degrau de uma escada íngreme como a porra, velha cumó caralho e que cheirava mais mal que a ETAR de Vila Velha de Cagalhão.
Mal me levantei, embiquei logo prá porta da rua, mas o Julião, que tinha quase o dobro do meu tamanho, aganfou-me logo pela gola da camisa e não me sobrou outra alternativa que voltar a tactear o primeiro degrau e os seguintes.

Chegados à altura do primeiro andar, ainda sem ver néribi, o Julião disse-me baixinho:
- Chavalo, aguenta os cavais e não te armes em espertinho, só eu é que falo, entendeste?
Que remédio, mas pronto, siga pa bingo.
Tum, tum, tum.
- Quem é?
- Sou o Julião, podes abrir, Lerna.
E abriu, abriu-se a porta e abriu-se o céu, dando espaço a que um raio de sol iluminasse aquela penumbra opressiva.
Do lado de dentro da porta aberta surgiu a figura esguia de uma menina pouco mais velha que eu.
O seu rosto era fino e pálido, os seus cabelos lisos e compridos, num tom castanho muito claro quase a roçar o loiro. Cobria-lhe o corpo um simples robe de ramagens em tons suaves que deixavam que se visse com nitidez todo o seu corpo.
O tempo para mim parou naquele instante, o meu olhar fixou-se no sorriso angélico e simpático com que Lerna me recebeu.
Senti então a mão de Julião apoiada no meu ombro, aplicando forte pressão, obrigando-me a entrar.
Já la dentro, Julião indagou:
- A tua irmã está em casa?
A Lerna conduziu-me gentilmente para o quarto, de mão na minha mão e os seus olhos nos meus. Já na intimidade da sua alcova, quis saber de onde viera tão grande maravilha, que não teria mais de cinco anos que eu.
Respondeu-me que de uma aldeia de Trás-os-Montes - pensei "por ti filha, eu até trazia as estrelas todas do firmamento e depositá-las-ia a teus pés", mas não disse, porque não gosto de me precipitar, quando o faço fodo-me sempre - que a irmã Jerivásia, com mais 10 anos que ela, tinha vindo para Lisboa muito nova e que a tinha «chamado» para trabalhar com ela, com a intenção de mais tarde poder estudar e tirar um curso.
- Espero que sim, que o futuro te sorria, porque para além de lindíssima, pareces-me muitíssimo simpática.
Sorriu-se e na tentativa de assumir o controle do tempo de que dispunhamos, indicou-me um bidé ao canto do quarto, junto a um lavatório e convidou-me a sentar-me para me lavar.
- Lavares-me, mas porquê?
- São regras da casa, Bartolomeu.
- Mas não preciso de me lavar, já tomei banho hoje.
Voltou a acariciar-me com aquele sorriso campestre, delicioso e franco, insistindo:
- Pois, mas tem de ser. Vá lá, senta aqui que eu mesma te lavo.
Decidi concordar e depois de me despir sentei-me na geringonça gelada, onde já descansava uma água tépida onde Lerna, metendo a mão, deu início ao ritual da lavagem. Durante os breves instantes que a operação durou, senti a fragrância da urze que dos seus cabelos emanava e quando Lerna se ergueu, num impulso que desconheci a origem, segurei-lhe o rosto com ambas as mãos e de olhos semicerrados, beijei-lhe os lábios carmim. Por um segundo Lerna correspondeu ao meu beijo, mas logo se afastou, ruborizada, dizendo:
- Sabes, Bartolomeu? Não deves beijar mulheres da vida!
- Como?
- É, sabes que nós dormimos com muitos homens e habitualmente fazemos sexo oral com todos eles, alguns até nos pedem para lhes lamber o cu.
- Não acredito, estás a reinar comigo?!
- Estou a falar verdade.
- Pedem-te para lhes lamber o cu?! E tu lambes?!
- Sabes que nesta profissão, não nos podemos dar ao luxo de deixar de satisfazer as fantasias dos clientes, excepto aquelas que nos podem causar danos físicos.
- Mas depois lavas a boca?
Riu-se:
- É óbvio que sim, Bartolomeu, podes crer que dedico atenção e cuidados especiais à minha saúde e higiene.
Não respondi. Ainda me sentia atordoado com a revelação escabrosa que Lerna acabava de me fazer.
Foda-se, há caralhos que vêm aqui pedir à miúda para lhes lamber o cu?! Este mundo está perdido!
Bartolomeu"

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