06 agosto 2009

No Bairro do Amor

Esforçou-se com ultrapassadas mesuras e uma desusada educação. Com palavras meigas e gestos cavalheirescos. E resistiu. Resistiu ao tempo, à espera e à dúvida. Manteve-se atento e continuamente alerta. Sempre pronto. E, no fim – que devia ter sido um princípio –, conseguiu. A muito custo mas conseguiu. Deu-lhe a volta. “Ou ela a mim, que ainda estou para saber se somos nós que lhes damos a volta ou se são elas que nos dão a volta a nós.”

Vivia bem com a dúvida e ainda melhor com o resultado. Tinha conseguido, repetia para si, satisfeito e orgulhoso mas dissimulando sempre o sorriso.
“Acho que são elas. Sei. Elas querem, nós podemos. São elas mas eu não desisto e esforço-me com ultrapassadas mesuras e desusada atenção. Se não somos nós que decidimos, podemos, de todo o modo, ajudar à decisão. Eu ajudei. E com ela consegui. Consegui!”
Decidida a consumação, ficou ele de organizar toda a logística necessária. Com aproximações e recuos, um afastamento estratégico na semana anterior e sms trocados só nas horas de trabalho, acabou por chegar numa terça à tarde a mensagem tão ansiada:
“Amanhã das 2 às 6 seremos um jinhos”
Ele inchou, abriu um raro sorriso de orelha a orelha, as palmas das mãos suaram e respondeu com promessas desbocadas e fantasiosas do que lhe iria fazer.
Passou a manhã de quarta numa excitação adolescente preparando tudo e preparando-se, arranjou uma mentira esfarrapada e meteu a tarde, com o ar mais euforicamente comprometido que alguém vira na secção.
– Semedo! – chamou o chefe, vendo o subalterno de casaco pelas costas a aproximar-se da porta de saída, depois de uma despedida quase inaudível.
O Semedo estacou, sentiu o coração disparar como se tudo fosse ficar sem efeito, voltou-se para trás com cara de enterro e olhando em volta, evitou cruzar o olhar com o do chefe.
– Diga?
O chefe levantou-se, rodeou a secretária, aproximou-se dele, pôs-lhe a mão no ombro e encaminhou-o para a porta.
– Ó homem – o chefe falava baixo para ninguém ouvir –, tome cuidado…
– Diga?!
– Olhe que hoje em dia todos os cuidados são poucos e…
– O chefe está a falar de quê?
O chefe deu-lhe uma significativa palmadinha do ombro, desarmando-o:
– Preservativos, Semedo, preservativos.
O Semedo olhou-o, sério e com os lábios cerrados. Abriu um ligeiríssimo sorriso sem mostrar os dentes e bateu suavemente com a mão no bolso do casaco.
O chefe aprovou com um aceno de cabeça mas renovou a recomendação em tom grave:
– Tenha cuidado, homem, tenha cuidado.
O Semedo levantou o polegar, agarrou a porta e saiu com um comentário mudo e um sorriso interior:
“Se tu soubesses.”
– Ah!... E, Semedo… – o chefe esperou que o homem olhasse para trás para concluir baixinho e com um piscar de olho a fazer as vezes de farpa: – Depois tem de me dizer se as duas latas deram algum resultado…
O subalterno apanhado na curva, enrubesceu, deitou-lhe um olhar furioso e saiu a resmungar.
14 horas.
Foram para um quarto numa pensão barata. Uma coisa estranha e prosaica. Tão ultrapassada e em desuso como as mesuras e a educação. Com um pé direito a perder de vista e águas correntes, quentes e frias, a sair aos bochechos de uma torneira com ar de relíquia oitocentista.
Ele ouvira falar em motéis com camas redondas e espelhos no tecto ou nos Íbis que facilitam entradas e saídas e têm outra limpeza e apertada comodidade, entre paredes de tijolo de sete revestidas a pladur, mas a idade dificultava-lhe as mudanças.
“Fiz-me homem numa pensão barata. Barata mas com tijolos de onze!”, justificava-se em silêncio.
E, com a certeza de saber o que ia encontrar, lá foram para a pensão, que tinha a vantagem de ser ali mesmo à mão e com uma paragem de autocarro quase ao pé, ainda que os olhares de esguelha, as boquinhas repugnadas e os comentários mortíferos que ela lhe lançou e à parede do edifício, não fossem nada agradáveis. “Mesuras e educação. Mesuras e educação”, repetia para si o homem, aparando-lhe todos os golpes.
“Fiz-me homem, essa é boa! Como se uma foda fizesse um homem! Talvez naquele tempo fizesse, que eu estava quase a ir para a guerra e ainda era um mancebo caga-tacos, sem nada de homem para além dos cotovelos esfolados de estar deitado na carreira de tiro. Fazia e era uma sorte não sairmos de lá com um esquentamento ou cheios de chatos. Havia um, o Jaime, que até nas sobrancelhas tinha chatos! E as gajas gostavam dele. Mas isso agora já nem há. Devem-se ter extinto, os chatos, que agora já não se apanham ou, pelo menos, ninguém se queixa. Se calhar, extinguiram-se com o Jaime, que ele já não lhes pode valer. No jardim das tabuletas não se apanha nada. Enfim…”
Levou-a. Ela teatralmente enojada, com ar de madalena arrependida, fazendo caretas por trás dos imensos óculos escuros, que não era mulher de pensões baratas e ele na excitação da conquista, no orgulho de, com a sua idade, ainda conseguir um engate, aparando-lhe as críticas e sorrindo complacente e compreensivo ao seu mal ensaiado nojo e deslocada honra.
– É o que se pode arranjar assim do pé para a mão, amor – dizia ele, açucarando-lhe os comentários ácidos, enquanto abria a porta para gigantes esqueléticos que dava acesso ao quarto.
Porta fechada e os dois a olharem um para o outro como dois parvinhos, no meio de um quarto pardacento, sem cor, nem brilho de espécie nenhuma.
“Acho que lhe devia ter dado um beijo mais molhado, mexer a língua como se vê nos filmes e pôr-lhe uma mão na nádega para sinalizar o meu interesse mas se nunca o fiz pareceu-me que se começasse naquele momento a coisa não ia sair muito bem. Um chocho e toca à despir para aproveitar tê-lo erguido, que é coisa que acontece cada vez mais raramente.”
– Não fechas o estore, Semedo? – perguntou ela antes de tirar o soutien.
– Queres? – perguntou ele, no meio do quarto, imobilizado pela voz dela e com ele a meia haste mas com inéditas comichões. – Fecho? – insistiu, como se não fosse isso o melhor que pudessem fazer.
Ela acenou que sim, ele fechou o estore e o quarto de cinzento pó passou quase a pó de carvão não fossem as gretas que deixou abertas para que ainda se vissem.
O candeeiro da mesa-de-cabeceira não acendia e ele, ainda que à socapa, ria-se nervosamente como um parvinho, enquanto ela, desenvolta e tranquila, mandou-o subir o estore meio palmo e enfiou-se na cama com o ar de quem vai para o dentista. E ele, sem saber se seria da luminosidade tristonha ou do ar displicente dela, sentia-o murchar mas, olhando-o, tal não se verificava. Apesar da sua súbita deprimente incerteza, o tesão parecia aumentar na proporção inversa.
Agarrou a fita do estore, subiu-o, deixando-o a meio palmo da pedra e foi atingido por um sussurro lançado da cama:
– Tens de ser meiguinho, Joaquim.
Que o deixou, ainda agarrado à fita puída e encardida, a sentir-se fora de pé, a pensar quem seria o Joaquim, se lhe havia de perguntar e se havia de ser meiguinho ainda que não se chamasse Joaquim.
Largou a fita e uniu as mãos para sentir o insubordinado membro: estava em brasa. Encolheu os ombros e decidiu mandar lixar o Joaquim, fosse lá ele quem fosse.
“Afinal, meu caro desconhecido Joaquim, sou eu que estou aqui. Vai-te lixar, Joaquim! Eu é que a vou comer”, disse para si, para se ouvir, para se concentrar. Para justificar de forma ínvia a extraordinária rigidez do seu sexo.
E dirigiu-se à cama, de peito feito, que a perspectiva de estar a encornar um marido conhecido e um Joaquim desconhecido deu-lhe um novo alento. Uma verticalidade e consistência de sentimentos e auto-estima para acompanhar o que se passava ao nível das virilhas.
Da cama ela largou as cuecas no chão, aparecidas do meio dos lençóis, e sorriu.
– Queres que te arrume as cuecas? – perguntou ele, com desusada… pois, isso.
– Deixa estar – disse ela, com um brilho estranho nos olhos, fixos na tesão primitiva, pré-biblica, demoníaca, que ele exibia. – Que belo caralho – ronronou. – Anda, garanhão! Vem-me foder! Vem-me foder com toda a força!
E ele tornou a ficar outra vez sem pé, sem encontrar o chão, que as mesuras e a educação só são ultrapassadas e desusadas nos outros. Que garanhão, foder e caralho não são palavras para saírem de bocas de senhoras, mesmo que as senhoras estejam nuas enfiadas numa cama de uma pensão barata, à espera de encornar o marido e o amante. E ele teve de voltar à fita, de se agarrar a ela e respirar fundo, pensar que os tempos são outros e puxar e desfazer e deixar o estore na mesma.
– Vem-me foder, amor – insistiu ela como se reclamasse com o empregado da pastelaria pelo atraso na meia de leite e na torrada. – Vem para a cama, foda-se, deixa lá o estore.
E ele cada vez com menos vontade, apesar da involuntária brutal tumescência do órgão.
– Com meiguice – disse ele, para ouvir a sua própria voz, enquanto caminhava lentamente para a cama, amaldiçoando o comprimido que, à cautela, tomara. – Com calma…
– Qual meiguice, qual carapuça – interrompeu ela, decidida. – À bruta, coração, que já não estamos a caminhar para novos. Se é para foder, é para foder… Meiguice e calma é para quem tem tempo… Tu já viste as horas?
Ele engoliu em seco e, sem responder, aproximou-se da cama, a invejar o Joaquim por não estar ali, a lembrar-se do marido a recomendar-lhe cuidado e a sentir que não conseguiria controlar muito mais tempo a necessidade de acção urgente que o órgão comunicava ao cérebro.
“Provavelmente, não devia ter tomado o comprimido com as duas latas de red bull”, ponderava arrependido, sem conseguir de só sentir o tesão, só o tesão.
– Hum! Anda cá – disse ela, num tom pegajoso de louva-deus no cio, enquanto afastava os lençóis e se esparramava na cama de pernas abertas esperando por ele. – Agora é que vamos ver se essas ultrapassadas mesuras e desusada educação se transformam numa memorável foda! Que grande caralho, Semedo… Anda! Anda!
E ele foi, contrariado, mas foi.

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