09 janeiro 2010

Fantasma(le)górico

O fantasma aproximou-se devagar, para não se apresentar como uma assombração. Limitou-se a estender uma mão e a fingir que a tocava, mesmo sabendo que jamais ela despertava do seu torpor.
E ele sabia que os fantasmas sentem o amor mas não o conseguem transmitir a quem não pode sentir um toque de outra dimensão, na ausência do calor naquela mão transparente de um holograma ausente que se contentava em sonhá-la assim, não existia uma sensação física como ela desejaria.
O fantasma nunca passaria de uma ilusão distante, de um simulacro de amante sem substância e incapaz de a reconfortar nos momentos mais necessários. Ele fazia parte dos desejos imaginários e mesmo nessa perspectiva há muito deixara de ser activa a sua participação.
O fantasma só tinha um coração sem consistência e isso conduzia-o de forma irreversível à desistência que combatia apenas com a energia do seu amor espiritual, de uma fé alimentada pelo ritual de a observar em silêncio por detrás do seu biombo onde se entretinha a espreitar o filme onde não havia lugar para um actor tão secundário, o figurante irrisório no contexto de um guião onde a sua interpretação se resumia a compor melhor o cenário.
Em silêncio, o fantasma desnecessário na maior parte do tempo fazia de figura decorativa e nem sequer falava a quem fingia que tocava, estendendo uma mão para o vazio, uma mão que não combatia o frio e por isso de pouco ou nada valia à pessoa a quem a estendia a partir do seu universo irreal e longínquo.

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