29 março 2011

T(r)ocar

Eu nasci no mês de Agosto mas só devo ter nascido metade. Desde então tenho sempre muito frio e saudades; estou sempre ansiosa pelo retorno embora saiba que esse mês me vai matar, todos os meses de Agosto me mataram e ficaram a ver-me morrer. Durante esses dias vivo ao contrário do resto do Mundo: o frio nos dedos e a morte instalada como visita exigente, convidada de honra, no quarto de hóspedes dos olhos são muito mais estranhos quando toda a gente ferve e agita a luz. Acabo por nascer atrasada, sempre com um ou dois meses de atraso, em Setembro ou em Outubro, já com saudades e frio e este desejo sempre demasiado intenso por falta de direcção, uma espécie de fome dolorosa que não se sabe de quê e que sempre me comeu quando fiz amor com todos os estranhos a quem abri a porta e o corpo. Continuo a nascer só metade, os dias adicionais de gestação nada acrescentam que eu não tenha de dar em troca, se recebo mais sossego, tiram-me um olhar e, mais tarde, percebo que fiquei cega para determinado ponto do horizonte; nem sempre percebo logo o que recebi e o que dei em troca. Este ano também morri em Agosto mas o parto tem sido incomparavelmente mais lento, ainda não nasci. Dói, sim, o parto dói sempre, mas comigo vai nascendo o sossego e contigo perdi o frio. Em troca? Dei-me.

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Uma por dia tira a azia