17 julho 2011

A prostituta azul (XIII) - Prestações

Cada gesto assombrado pela memória demasiado lúcida do desejo, uma ilusão quase perfeita da fome era abandonada em cada toque que percorria o corpo dos amantes. Não são apenas os olhos que traem o quadro de espessa tela da ilusão, aliás, nos olhos também podem morar os fantasmas, a intensidade da memória também trespassa o olhar, quem lá pousa o seu também poderá confundir esse brilho com um desejo presente, pois, sim, sim, é nos ombros refeitos de um chumbo que curva a coluna; nos ombros, o peso ostenta o fantasma da solidão. Os amantes julgavam que o corpo da mulher traía o desejo que a voz dela não lhes queria dizer, abandonavam-se àquela derrocada do vazio sobre as suas cabeças, resvalavam para dentro do corpo da mulher, mais fundo do que alguma vez tinham ido com outra; dentro dela, existia muito mais espaço, ela fugia, saía de si para onde os fantasmas a levavam, deixava o espaço aberto, imenso, do corpo vazio - qualquer vazio é maior do que qualquer corpo -, sem que ninguém que a ocupasse conseguisse ver para além da muralha do calor. Ainda sobrava a verdade nos ombros pesados mas, no leito, pareciam vergados ao turbilhão nos lençóis. Era a prostituta mais barata do mercado, desejava estar disponível para quantos amantes a solicitassem, cada um era um comboio para o passado, cada euro pagava o bilhete de embarque para fora de si.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma por dia tira a azia