14 julho 2011

A Rapariga Vulgar (IV)

(A Maria Multidão sai às ruas, traz nos olhos sem olhar o silêncio constantemente mutilado, uma língua esponjosa derrama o seu tamanho baço para fora daquela boca que cospe palavras numa saliva engrossada pela morte da alma. O deserto avançou-lhe pelo peito, faz muito que o coração se transformou num cacto para não morrer de sede. Noites como esta, só escuro, só chiar metálico de tendões (pouco) humanos, só areia, são apenas a dor da lua, o ateísmo crepita nos risos de estranhos contra a sua pele, o arrepio percorre-lhe a luz que se apaga. Já me cansei de gritar que vão matar a lua, faz muito tempo que já me cansei de gritar. Só a solidão não ofende a beleza do silêncio, coagula-o no seu sangue, dissolve-se e mantém-se viva em mim, chama-me para dentro deste templo de carne e mostra a sua tristeza à lua por todas as minhas janelas sempre abertas.)

A mulher lembra-se, ao amanhecer, do amor que fez com o homem, ao tocar o líquido coalhado que reteve na vagina, nada mais reteve, não sobrava mais memória. Todas as manhãs se toca, sozinha, sacia-se em partes que fingirá saciar à noite, em braços alheios, para que lhe saciem o coração. Fecha os olhos e sonha-se uma rapariga vulgar, como aquela que o marido espreita, envergonhado; sonha que atrai desejo suficiente para lhe saciarem o corpo com mais de três golpes de anca, sonha um auge em explosão de abraços entre a ternura e a luxúria, os seios quentes entregues ao toque flamejante de dedos estranhos, contudo meigos, domados pela sua beleza, as pernas entreabrem-se e chega o grito que a almofada amordaça. Mais tarde, sai às ruas, vai espreitar o quadro do marido, da rapariga vulgar e dos seus amantes imaginários.

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