18 setembro 2011

«Casamento desfeito» - por Rui Felício


Conheceram-se na escola, onde todos, desde professores a alunos, os tinham em alta consideração e a quem recorriam frequentemente, pedindo-lhes esclarecimentos, conselhos, opiniões.
A proximidade das suas vidas era visível, ninguém dela duvidava, muito menos a questionava.
Ele sentia-se limitado sem o bom senso dela, sem a organização e o método que ela punha em tudo.
E ela achava que o feitio organizado e meticuloso que a caracterizava, de nada lhe serviria sem o apoio dele, sem os seus conhecimentos quase enciclopédicos.
Palmilharam a estrada da vida, completando-se, estabelecendo laços fortes, aparentemente indestrutíveis.
Casaram...
Foi o mal que fizeram!
Na intimidade da relação formal estabelecida, começaram a descobrir os defeitos um do outro. Discutem por tudo e por nada, o casamento caminha irreversivelmente para o seu fim.
Ela acusa-o de diariamente acumular conhecimentos novos, sendo incapaz depois de os concatenar, de os organizar. Acusa-o de simplesmente papaguear o que sabe, sem qualquer nexo racional, sem cuidar de organizar os conhecimentos pela natureza dos conteúdos, mas apenas pela forma.
E ele, irritado, em altos berros, contrapõe-lhe que ela, com o seu obsessivo e cada vez mais complicado enunciar de regras organizativas, acaba por lhe cortar a liberdade de pensamento e de memória.
Ontem, depois de mais uma violenta discussão, a Gramática comunicou ao seu companheiro Dicionário, que iria pedir o divórcio.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações

Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma por dia tira a azia