09 abril 2012

«o segredo da rua» - bagaço amarelo

Hoje almocei com a Raquel por aí, num restaurante em Matosinhos de que já nem me lembro do nome. Lembro-me sim, de que acabei a refeição antes dela muito por culpa da minha terrível mania de comer demasiado depressa, e de ter ficado com meio copo de vinho para beber devagar. Dei um primeiro gole contemplativo como quem bebe um segredo, e fiquei a vê-la acabar.
É verdade que o Amor começa sempre por ser um segredo só daquele que Ama. Pelo menos, quando me apaixonei por ela, só eu é que o sabia. Mais ninguém. Às vezes até me convenço que chegou mesmo a ser um segredo de ninguém, porque me apaixonei antes de eu próprio o ter percebido. Foi nessa altura que lhe comecei a chamar o segredo da rua. A ela. Mais ninguém.
Era uma rua qualquer de Aveiro onde eu a esperava todos os fins de tarde, só para a ver passar por um momento, e onde os sorrisos sedutores que eu ensaiara durante o dia inteiro me asfixiavam nesse preciso momento. Era um segredo só meu, esse Amor e essa asfixia contínua do tempo.
E a minha mãe a perguntar-me se eu estava doente e eu a responder que não, o meu amigo Paulo a perguntar-me se eu estava bem e eu a responder que sim, a minha amiga Luísa a perguntar-me se eu estava apaixonado e eu a abanar os ombros. Assim, todos os dias a mentir-me a mim mesmo através dos outros para não tocar na verdade que era um segredo só meu.
Passaram-se mais de vinte anos desde esse tempo até a poder ver de novo, por uma mera coincidência, num café do Porto, num encontro combinado às cegas através do email com uma leitora deste blogue (os que aqui costumam vir já conhecem a história). Lembro-me de a ter reconhecido com o mesmo sabor do vinho de hoje e de, por um momento, tudo isso ter sido um segredo cósmico só meu.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»