08 junho 2012

Sorriso com sardas

As palavras queimavam-lhe a garganta, tal como as lágrimas lhe faziam arder os olhos. Calou-se. Primeiro engoliu tudo o que tinha para lhe dizer e calou-se. Depois, secou as lágrimas com as costas das mãos. Enfrentou a dor e a vergonha de tanto lhe doer e cerrou os dentes e os lábios. Engoliu em seco. Tornou a engolir em seco. Mordeu o lábio inferior e suspirou profundamente. A infelicidade de ser quem era naquele momento infiltrava-se por todos os poros e contaminava-lhe corpo e alma. Doía-lhe. Doía-lhe fisicamente. Sentia arrepios de frio e tremores por todo o corpo. Sorriu. Fez um esforço e sorriu. Enfrentou a pena que sentia de si, o seu corpo que vacilava e parecia quer desmoronar-se e o seu ser mais profundo que queria abandonar-se à dor, à inacção, ao desalento e sorriu. Um sorriso forçado, que não passava dos lábios, mas um sorriso.
– Sabe, bem – disse ela, com o sotaque meloso que o derretia desde o primeiro momento em que a conhecera, mostrando-lhe um sorriso complacente, quase maternal, que lhe iluminava o rosto, os olhos, as sardas. – As coisas quando não acontecem é porque não têm de acontecer.
Ele, o bem, esqueceu-se do sorriso, que desapareceu sem deixar rasto, e mostrou em todo o seu esplendor o desgosto que o dominava.
– Eu não acredito no destino – declarou António, que dissera chamar-se Luís. – O destino somos nós que o fazemos, Luísa.
– Heloísa – emendou a mulher, ainda com sotaque mas já sem mel. Não costumava enganar-se nos clientes que abordava mas, naquele caso, parecia-lhe, enganara-se redondamente e perdera vinte minutos como figurante numa encenação manhosa de uma peça muito vista.
– E podemos ser felizes, Heloísa – insistiu Luís enquanto António. – De certeza que podemos chegar a um entendimento, afinal estamos a falar de vinte euros de diferença. Podemos rachar…
– Você assim não racha nada, cara.
– Eu subo dez e você baixa dez e…
– Somos felizes? – A mulher levantou-se.
– Sim – disse o António que falava pelo Luís. – Adoro o teu sorriso com sardas, já te disse?
– Eu só sou feliz quando me pagam o meu preço e sim, já me tinhas dito, há vinte minutos atrás.
Tanto o Luís como o António ficaram embasbacados a olhar para a mulher que, de repente, em pé, perdera o sotaque e seguira sem um adeus embrenhando-se na pequena multidão de homens e mulheres que deambulavam pela sala, eles com cervejas ou copos de whisky na mão, caçadores prestes a ser caçados, e elas com sorrisos e gestos encantadores ou sexualmente explícitos dando ar de presas submissas ou rebeldes, mas todas com ar de quem tem mais do que fazer do que andar por ali a patinhar.