14 fevereiro 2013

A Prostituta Azul XVI - Boneca de Plástico

Acordou de olhos azuis no tecto rosa. Chamou-os de volta por chamar, já sabia os dias de cor: quando os dias são iguais aos dias, somos sempre cegos. Era um pouco desengonçada, mas o movimento diário de erguer o tronco formava sempre um perfeito ângulo recto. A certa hora, subia, como um ponteiro dos segundos, até à hora certa, içada pelos fios do mundo. Afastou a cama de si. Endireitou com cuidado a perna direita e sentiu o frio do plástico nos dedos, embora os dedos fossem igualmente frios, era por isso que raramente gostava de tocar nos humanos, não gostava que pensassem que estava morta, como eles, só gostava de tocar os que a aqueciam primeiro. Tomou banho sem sentir a água. Vestiu-se sem sentir a roupa. Usou os dedos para puxar os cantos dos lábios em direcção às orelhas e acenou um até logo ao amante semi-adormecido; o afecto é a expressão humana mais fácil de plastificar: puxar os cantos dos lábios à saída e à entrada em casa, puxar os cantos dos lábios e as pernas às entradas e saídas do amante no seu corpo. Tomou um café sem sabor que escaldava e viveu mais um dia frio sem gosto, com pressa sem motivo para voltar a casa, misturada na multidão que era de gente tão igual a si.