19 junho 2013

«respostas a perguntas inexistentes (244)» - bagaço amarelo

Não sei todos chegaram a fazer isto. Eu pelo menos cheguei, no meu princípio da adolescência. Estou a falar de rasgar um bocadinho de papel duma folha do caderno de escola e escrever uma mensagem de Amor. Depois amarfanhá-la e entregá-la discretamente a uma miúda da mesma turma, a duas ou três secretárias de distância, normalmente por via aérea.
Os telemóveis acabaram com isto, cobrando alguns cêntimos para fazer exactamente o mesmo, evitado até o risco que o papel caia nas mãos erradas. Pensei nisto hoje, quando ouvi uma mãe ralhar com o filho por causa da quantidade de mensagens que ela anda a enviar a uma miúda qualquer. É uma questão de dinheiro, não de conteúdo. Estamos lixados.
Percebo perfeitamente que aquele rapaz que vi no café, corado pela vergonha que a voz alta da mãe o fazia passar, não envie papelinhos como eu fazia na idade dele. Deve ser foleiro ou, como dizem agora os miúdos, "não cria cenário" (aprendi esta com a minha filha). A tecnologia liberta-nos, mas ao mesmo tempo aprisiona-nos. Aquele rapaz não pode enviar mensagens de Amor se a mãe não lhe carregar o telemóvel. Eu podia.
A Eva, na verdade, não me ligou nada quando lhe disse que gostava dela. Pegou na bolinha de papel, olhou para mim com um certo ar de desprezo e rasgou-a em dois ou três pedaços enquanto abanava os ombros. A minha história de Amor com ela morreu ali, à nascença. Não se falou mais nisso. Os meus pais não me controlavam o saldo de folhas de papel dos meus cadernos.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»