21 março 2014

«Posso mudar a vida das pessoas»


Diz que ser feminista não é nada de extravagante, defende a adoção de crianças por casais do mesmo sexo, gosta do estilo do Papa Francisco, indigna-se com a pobreza e com a injustiça. 
Maria Clara Sottomayor, 48 anos, é a juíza mais nova na história do Supremo Tribunal de Justiça, uma instituição com sessenta juízes, dos quais só cinco são mulheres. A conselheira tem conta no Facebook e diz que os magistrados devem abrir-se ao mundo e às pessoas. 
Excerto da entrevista:
A outra questão é que dos cerca de 60 juízes do STJ, só cinco são mulhe­res. A desigualdade de género que existe no país também se reflete aqui? 
- De facto só há cinco juízas. Durante a ditadura, a lei proibia as mulheres de exercerem funções de autoridade e de ingres­sarem na magistratura e na diplomacia alegadamente porque eram muito emotivas. Mas já passaram quarenta anos e, apesar da igualdade no acesso se refletir nas outras instâncias, ainda não se faz sentir no Supremo. Há quem diga que não passou tempo su­ficiente para garantir a plena igualdade. A desigualdade projeta–se durante muitos anos, pois os homens estavam mais adianta­dos na carreira, mas o facto é que as mulheres têm sempre mais dificuldade em progredir porque são as principais cuidadoras dos filhos e da família.
Foi aos 14 anos que decidiu que queria estudar Direito e, na tomada de posse, disse que foi esta a sua resposta ao absurdo do mundo. O que é que a preocupava nessa altura? 
Fui sempre muito sensível à injustiça. E estar no mundo, mes­mo quando se tem pouca idade, implica observar e refletir. Tudo o que vi e ouvi, na terra onde passei a infância nas escolas que fre­quentei, ficou gravado no meu cérebro. Nunca ficava indiferente e cultivei o hábito de me posicionar a favor de quem está a ser le­sado. Tive sempre este impulso.
Defende a coadoção e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo? 
- Sim. Compreendo que as pessoas tenham reservas e receiem novas formas de família. Afinal todos gostamos de ver confirma­das as nossas crenças. Mas ser pai ou ser mãe é algo muito profun­do. Tem que ver com valores morais, afetivos e emocionais que tanto têm os casais de sexo diferente como os do mesmo sexo. E a ciência confirma que as crianças que vivem com pais do mesmo sexo estão tão bem como as outras.
Dizem que é feminista… 
- Ser feminista não é nada de extravagante, como erradamente se pensa, por preconceito. É ser defensora da igualdade de género e da igualdade de oportunidades para todas as pessoas, em prol de uma sociedade melhor. O movimento feminista tem lutado em todo o mundo pelas causas mais nobres que conheço: o direito de voto das mulheres, o acesso à educação, a igualdade de direitos e deveres no casamento, a autonomia da mulher casada e a independência econó­mica das mulheres, a proteção das vítimas de violência e das crian­ças, só para citar alguns. Em Portugal, a igualdade só foi consagra­da na Constituição de 1976 e, passados quase quarenta anos, verifica­mos que a desigualdade permanece nas práticas sociais, nas crenças e nas representações. Uma coisa é a igualdade formal, que temos; ou­tra é a igualdade de facto, que não existe. Os salários das mulheres são mais baixos, os homens é que estão maioritariamente em car­gos de responsabilidade e na política, as mulheres são as principais vítimas de violência e são silenciadas. A desigualdade não é um pro­blema que se resolva só com as leis, mas sim no plano social.