01 outubro 2014

«pensamentos catatónicos (309)» - bagaço amarelo

Às vezes, normalmente uma vez por semana, vou almoçar a casa dos meus pais. Fico sempre a saber que a minha mãe começou a preparar o almoço algumas horas antes, às vezes até no dia anterior. Também era assim quando eu era criança. Lembro-me de ver o bacalhau a demolhar lentamente numa grande bacia com água ou os bifes entre limão espremido e alguns dentes de alho cortados em pedacinhos.
É então que reparo que, apesar do meu humilde gosto pela cozinha, nunca preparo nada com antecedência. Quando cozinho para amigos, o máximo que faço é temperar a comida uns trinta minutos antes. Se cozinhar só para mim, nem isso.
Com o tempo perdemos o tempo, ou seja, perdemos a disponibilidade para pensar nas coisas com alguma antecedência. Só por si, a coisa pode não parecer grave. Afinal de contas vende-se bacalhau já demolhado e vinagre tão bom que tempera bem os bifes em cerca de dez minutos. É na falta de projecto que está o problema. Para a geração da minha mãe tudo era um projecto de vida, para a minha tudo é um improviso.
Às vezes tenho a sensação que este princípio se aplica a tudo. Também ao Amor, onde vamos Amando o que é possível Amar sem ensaiar muito a coisa. Dez minutos agora, vinte minutos amanhã. Só por si a coisa não parece grave. Afinal de contas os Amores vão-se digerindo como uma qualquer refeição improvisada.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»