22 fevereiro 2015

Luís Gaspar lê «Artigo 1056º do Código Civil» de Augusto Gil


Oiça, vizinha: o melhor
É combinarmos o modo
De acabar com este amor
Que me toma o tempo todo.

Passo os meus dias a vê-la
Bordar ao pé da sacada.
Não me tiro da janela,
Não leio, não faço nada…

0 seu trabalho é mais brando,
Não lhe prende o pensamento,
Vai conversando, bordando,
E acirrando o meu tormento…

0 meu não: abro um artigo
De lei, mas nunca o acabo,
Pois dou de cara consigo
E mando as leis ao diabo.

Ao diabo mando as leis
Com excepção dum artigo:
0 mil e cinquenta e seis…
Quer conhecê-lo? Eu lhe digo:

«Casamento é um contrato
Perpétuo». Este adjectivo
Transmuda o mais lindo pacto
No assunto mais repulsivo.

«Perpétuo». Repare bem
Que artigo cheio de puas.
Ainda se não fosse além
Duma semana, ou de duas…

Olhe: tivesse eu mandato
De legislar e poria:
Casamento é um contrato
Duma hora – até um dia…

Mas não tenho. É pois melhor
Combinarmos algum modo
De acabar com este amor
Que me toma o tempo todo.

Augusto Gil
Ouçam este texto na voz d'ouro de Luís Gaspar, no Estúdio Raposa