25 abril 2015

«Há males que vêm por bem» - por Rui Felício


Elegante, bonito, irrepreensível na forma de se apresentar, o Pedro tem o dom de cativar o elemento feminino, através do seu olhar, da sua simpatia, do seu modo carinhoso, dos sussurros soprados com que derrete e conquista os corações. Um verdadeiro galã, em cujos sonhos voa e se desvanece! Pena que use o seu charme apenas para satisfazer o insaciável apetite de somar conquistas umas a seguir às outras, nunca se deixando enlear ou prender num relacionamento estável, destroçando e descartando, ao fim de pouco tempo, aquelas que se apaixonam por ele.

Há um mês atrás, o Pedro deparou-se com o olhar meigo e submisso da bela Madalena que, com a roupa cingida ao corpo, chapinhava à chuva no tapete relvado da sua casa.

Uma estranha pontada no coração fez sentir ao Pedro uma sensação diferente da habitual, desta vez um tanto dolorosa e ao mesmo tempo doce, muito doce. Algo que nunca antes tinha sentido. O Pedro experimentava pela primeira vez o sortilégio do amor e da paixão. Voltou para a ver no dia seguinte e no outro e no outro...

Percebeu então que a Madalena era casada e parecia feliz pela forma como se acolhia ao abraço protector do Manuel seu marido. O Pedro, pese embora a sua fama de galã e inveterado conquistador, respeitava o casamento e nunca faria nada que pudesse contribuir para a sua destruição. Os seus alvos eram as solteiras, as divorciadas e as viúvas. Jamais as casadas! Fiel aos seus princípios, desistiria portanto da Madalena...

Mas o profundo amor que sentia por ela trazia-o prostrado e, às escondidas atrás dos arbustos, todos os dias a observava, de coração apertado, abafando longos suspiros, sem que ela sonhasse...

Até que um dia, uma desgraça se abateu sobre a pacata Madalena.

O Manuel envolveu-se em mais uma luta feroz com o Carloto, seu inimigo figadal, que volta e meia invadia a propriedade. Essas lutas acabavam normalmente com uns arranhões, mas desta vez o combate teve um desfecho fatal, com a morte do Manuel, deixando a Madalena viúva e inconsolável. Foi a ocasião propícia para o Pedro passar a viver em casa da Madalena, enchendo-a de carinhos, confortando-a e fazendo-a esquecer o marido por quem ela verdadeiramente nunca se sentira apaixonada. Tinha sido um casamento convencional, sem atritos mas também sem o fogo da paixão nem do amor.Hoje, o Pedro e a Madalena vivem felizes como nunca antes nenhum deles sonhara que pudesse ser. A última vez que os vi, estava o Pedro empoleirado numa sebe a desafiar mais uma vez a Madalena a subir para junto dele para depois cavalgarem os seus sonhos e voarem...Sim, o Pedro sabe voar e anda a ensinar a sua amada a voar também, como ele. E com ele! Há males que vêm por bem...

Se naquele dia fatídico o Carloto, que era um cão rafeiro da vizinhança, não tivesse estraçalhado o pobre pato Manuel, deixando-lhe as vísceras e as inúmeras penas espalhadas pelo relvado, ainda hoje o casal de patos amoroso e romântico que são o Pedro e a Madalena, não teria descoberto a felicidade e as delicias do amor...

Rui Felicio
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

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Conto baseado numa história verídica ocorrida em casa de Kristina Santos, uma das vozes mais bonitas e límpidas que me foi dado ouvir, numa interpretação inesquecível, num espectáculo memorável dedicado à Canção de Coimbra, acompanhada, entre outros, pelo Rui Pato.