04 julho 2015

«No confessionário» - por Rui Felício

Faz hoje anos que a Sandra se casou.

Deu por si, sentada no sofá a recordar a noite do casamento.
Uma noite única, especial, em que os maridos acedem a todos os pedidos das noivas, para lhes satisfazerem os mais escondidos desejos...

Mas, com ela, tinha sido diferente. Naquela noite, já nua, deitada na cama do hotel, a boca contraída, o olhar felino, estendia o braço para o João. Com a voz rouca de emoção, pedia-lhe, implorava-lhe, suplicava-lhe que a aliviasse daquela ânsia, que lhe relaxasse o aperto que ela sentia no corpo e no coração.
Mas o João não fez o que ela lhe pedia. Não matou aquela nojenta osga agarrada à parede...
Clara era uma bonita mulher. O seu corpo esbelto amadurecido pelos anos tinha ganho a firmeza das formas que a tornavam ainda mais atraente do que quando tinha casado há 15 anos atrás.
O Pedro, seu marido, porém, fosse por receio dos olhares que os outros homens poderiam dardejar à sua mulher, ou fosse pelo inato conservadorismo machista de que padecia, ou ainda pela insegurança que o caracterizava, obrigava a Clara a vestir-se de forma apagada, cinzenta, incaracteristica, a usar os cabelos soltos e mal tratados, a não se maquilhar nem perfumar.
Até o sorriso ela tinha que dominar, obrigando-a a afivelar uma máscara triste, sombria.

No domingo passado, ficou estupefacto quando ela saiu do quarto para ir com ele à missa, como era hábito todas as semanas.
«Os tomates do padre Inácio»,
barro vermelho vidrado,
Júlia Ramalho,
Barcelos, 2007
Peça feita especialmente para a colecção
de arte erótica «a funda São»
A Clara tinha pintado os lábios com um baton escarlate que lhe realçava a brancura dos dentes, vestira-se com um vestido de seda azul marinho um tanto transparente, debaixo do qual se adivinhavam os contornos do seu corpo apetitoso, elegantissima em cima de uns sapatos de salto pontiagudo.
O Pedro nem queria crer em tal desaforo. Criticou-a pelo exibicionismo pouco adequado a uma senhora casada e respeitável. Chamou-lhe desavergonhada e pecadora, desrespeitando os mandamentos de Deus. Duramente, intimou-a.a mudar de roupa e a limpar o pecaminoso baton. Não iriam assim para a missa.
A Clara nem quis explicar-lhe que aquele era o dia de aniversário do seu casamento que ela queria comemorar de forma especial. Data de que ele nem sequer se lembrava!

Obedeceu-lhe, naturalmente contrariada.
Mas á tarde foi ao confessionário da igreja de Santo Isidoro e contou tudo ao padre, perguntando-lhe se ele a achava uma pecadora.
O jovem padre, docemente, do outro lado da rede do confessionário, sussurrou-lhe:
- Minha filha, volte para casa, pinte-se como entender, vista-se como achar melhor e volte cá.
Fico à sua espera...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido