18 outubro 2015

«coisas que fascinam (179)» - bagaço amarelo

Um dia casámos

A primeira mulher que me declarou Amor partilhava, às vezes, um baloiço comigo. Disse-me que gostava de mim, deu-me a mão e levou-me para um dos bancos do recreio da escola onde me disse que um dia íamos casar. Eu aceitei imediatamente. Éramos apenas crianças e pouco sabíamos do que viria a ser o Amor quando crescêssemos. Talvez, por isso, tenha sido a declaração de Amor mais genuína que alguém me fez na vida.
Nunca casámos.
É verdade que eu não sabia nada de Amor ou de paixão. Muito menos de sexo. Tudo o que aprendi veio depois desse primeiro estranho suspiro. Aprendi tanto, mas tanto, que hoje posso dizer claramente que sei ainda menos. Menos do que nada, portanto. O Amor sempre teve essa condicionante de se esconder com a sabedoria.
Com os anos, esse primeiro suspiro apagou-se e deu origem a outros, não mais fortes mas, pelo menos, bastante diferentes. A segunda declaração de Amor da minha vida partiu de mim e não dela. Coincidência ou não, era uma rapariga fisicamente parecida com a primeira. Do alto dos meus doze anos repeti a única receita que conhecia e disse-lhe que um dia íamos casar. Ela riu-se, pôs a língua de fora e saiu a correr.
Nunca casámos.
Talvez tenha sido a primeira conclusão que tirei sobre homens e mulheres. Quando uma mulher declara Amor, é uma ordem; quando um homem declara Amor, é um pedido. Conclusão que, diga-se de passagem, veio a revelar-se verdade.
Aprendi a não fazer declarações de Amor.
Estar apaixonado passou a ser pouco mais do que esse suspiro inconsequente que herdei de menino, um suspiro capaz de se transformar no mais forte dos ventos, mas que guardei sempre para mim como se guarda um tesouro. E foi assim que passei a adolescência apaixonado em segredo, dividido entre cartas de Amor que nunca foram lidas e respostas imaginadas que nunca foram escritas. Às vezes via-lhe os cabelos a dançar nos ombros e acreditava que era com o vento da minha respiração. Foi o mais perto que estive de declarar Amor, pela terceira vez, àquela que nem dava pela minha existência.
Um dia, muito mais tarde, casámos.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»