07 outubro 2015

«um adeus para sempre» - bagaço amarelo

É verdade que o Amor é uma disciplina como outra qualquer em que se aprende com a vida. É a vida que nos diz que o Amor não chega ou, como eu prefiro dizer, que o Amor não é só gostar e estar apaixonado. É muito mais do que isso, pelo menos quando pretendemos entrar no frágil equilíbrio das cedências e exigências.
Que espaço devemos dar a quem Amamos e que espaço devemos exigir para nós e para ambos? Não sei. Sei que, numa relação, só muito raramente duas pessoas estão de acordo nesta matéria, matéria essa que se vai aprendendo quase sempre tarde demais.
Lembro-me duma mulher a quem todos os dias eu não dizia nada. Sei muito bem que há muitas mulheres a quem nunca digo nada, mas esta era por opção. Sentávamo-nos todas as manhãs num café do Porto, frente a frente, a tomar o pequeno-almoço. Trocávamos olhares, sorrisos, às vezes até cheiros e compreensão. Nunca trocávamos palavras, nem sequer a que tem o nosso nome ou deseja um bom dia ao outro.
Obviamente apaixonei-me por ela, porque o mistério é sempre apaixonante. Obviamente passei a conhecer-lhe pequenos gestos e vícios. A forma como lia o jornal de trás para a frente, para no fim o dobrar em dois sempre com a capa para dentro, como se quisesse esconder as vergonhas do mundo que tinha acabado de ler. Bebia sempre um galão num daqueles copos que vêm dentro duma armação metálica e comia meia torrada com pouca manteiga. Às vezes, e esse gesto surpreendia-me sempre, penteava-se no reflexo dum espelho ferrugento. Surpreendia-me, porque parecia-me sempre renovada quando o fazia, como se tivesse acabado de beber um pouco de água da Fonte da Juventude.
Por falar em Fonte da Juventude, teria provavelmente mais uns vinte anos do que eu, ou seja, mais ou menos a idade a idade que eu tenho agora. Vivi naquela relação matinal e silenciosa durante alguns meses e passei a pensar nela como parte da minha vida. Se num ou noutro momento ela se atrasava e não aparecia, eu tornava-me ansioso e triste. Sofria.
Nunca soube o nome dela, nem ela o meu, mas senti-lhe os lábios no dia em que ela se levantou e me disse que era a última vez que nos víamos. Beijou-me. Ia atravessar o Atlântico de regresso a casa. Só aí é que eu soube que era brasileira, apesar do seu português europeu. Despediu-se no seu jeito tímido de todos os empregados e, já na porta, tornou a dizer-me adeus.
Um adeus para sempre.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»