23 janeiro 2016

«Dia de temporal» - por Rui Felício

Mulher de cabelos ao vento e peito nu
Frasco em barro vermelho
Portugal, 1985
Colecção de arte erótica «a funda São»
Que ventania!
A Carla ouvia-o assobiar, num frémito medonho. Olhava pela janela e via as árvores dobrarem-se como vimes. O ramo de uma partiu-se e voou pela estrada fora. As chapas de zinco de um telheiro do quintal abanavam, batiam, ameaçavam soltar-se.

O marido era um paz de alma. Sentado a ver televisão, ficava indiferente ao temporal.
Aliás, há já uns anos que tudo parecia ter acabado para ele.
Vinte anos mais velho que a Carla perdera o fulgor da vida enquanto ela estava longe ainda de se acomodar, de arrefecer o calor que lhe queimava o corpo e os sentidos. Mas o Pedro, agora com 65 anos, há muito que deixara de a procurar, de lhe saciar o desejo, de a amar...
Ela bem tentava despertar-lhe a libido, com caricias, com beijos, com sussurros eróticos.
Mas nada! O Pedro tinha-se transformado numa pedra inerte.

Um estrondo contra a parede do quintal assustou-a. Uma das chapas de zinco soltou-se e batia fragorosamente contra a parede.
A Carla foi lá fora para tentar prender a chapa.
O vento uivando, levantou-lhe a saia até à cabeça.
Aquele vendaval levantava tudo!, pensou ela de si para si.
Foi então que lhe ocorreu uma ideia luminosa.
Gritou para dentro de casa:
- Pedro! Anda cá fora apanhar este ventinho.
Nem imaginas! Olha que levanta tudo!

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido