02 junho 2016

«Deste infinito» - João

"Temos tudo ali. De um lado está a serra. Na verdade, as serras, que são várias. A cidade está em frente, mas longe o suficiente para não incomodar, logo a seguir o mar imenso, que vai muito para lá do que se vê e do que se molha, e depois a areia que não termina, que se alonga, caprichosa, por quilómetros a perder de vista. Estou sentado numa cadeira. Melhor dizendo, estou apoiado numa cadeira, porque sentado seria generosidade, estou num plano inclinado muito confortável, atirado para cima da madeira, com as pernas esticadas e cruzadas, os braços a apoiar-me vagaroso ao Sol que falso se move no céu como se a Terra estivesse quieta às nossas ordens. A intuição, a telepatia, porventura o cheiro, não sei dizer, avisam-me que te aproximas. Sinto o sangue correr mais depressa dentro do meu corpo, sinto a tua mão tocar o meu ombro, os teus lábios a saudar-me a pele, e o teu corpo, o teu meu corpo, a sentar-se lânguido na cadeira ao lado, e os silêncios não eram embaraço entre nós, por muito que fossemos capazes de conversar longamente, de encontrar concordâncias em tudo e discordâncias fortes se disso houvesse necessidade. Trocámos o olhar, profundo, e soubemos que estava tudo ali, as serras, a cidade, o mar, a areia infinita, eu pousei a minha mão na tua coxa, tu colaste a tua mão à minha, entrelaçando os dedos, e a seguir morreste."
João
Geografia das Curvas