18 março 2017

«O que se há-de fazer à prenda que está para sair?» - por Rui Felício

Alguns não se lembrarão deste jogo.
Joguei-o várias vezes na Rua Infante Santo e na Praça de Ceuta, com a Milu, a Betinha e a Letinha (estudantes de Letras e hóspedes em casa do Sr. Milheiro), a NôNô, a Olivia (filha do conhecido Carlos “Veneno”), a Eduarda, a Regina Morato, o Rui Pato, o Mário Oliveira (vizinho do Rui Pato), os Moratos (idem, idem), o Pedro Gama (primo da Milú), o Paulo Nobre e o Cruz.
Este último, o Cruz, morava na Rua do Brasil mas ia ao bairro porque namorava a Milú, minha vizinha.
Mais tarde andei com ele em Mafra e encontrei–o algumas vezes na CP onde viria a ser engenheiro.
Era um jogo algo feminino mas os rapazes adoravam jogá-lo...
Já vão perceber porquê.
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Um dos jogadores metia entre as suas mãos uma “prenda” que poderia ser um anel, um brinco, um botão, qualquer coisa que ali pudesse permanecer bem escondida.
As mãos eram juntas como se estivesse a rezar e, com a “prenda” entre elas, passava-as entre as mãos dos restantes jogadores também na mesma posição de oração, um por um.
A cada um deles, no momento de passar as mãos, perguntava:
- O que é que se há-de fazer à prenda que está para sair?
O jogador inquirido respondia aquilo que lhe viesse à cabeça, como por exemplo:
- Aquele (a) a quem sair a prenda vai ter de dar um beijinho a fulano(a).
O jogador que distribuía a “prenda” tinha que obrigatoriamente deixá-la cair nas mãos de um dos outros jogadores , mas de forma a que ninguém se apercebesse qual deles(as) teria sido o(a) escolhido(a).
No final, as mãos de toda a gente eram abertas ficando-se a saber quem tinha sido o(a) contemplado(a).
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A “sentença” que esse contemplado tivesse dado antes de lhe ter sido atribuída a “prenda” era então executada.
Onde estava o aliciante deste jogo?
Tão somente nisto:
1. - No passar das mãos dos rapazes nas mãos das meninas e vice-versa, o que equivalia a uma carícia encapotada, coisa que a moral e os bons costumes da época não permitia senão através destes subterfúgios.
2. – Na execução da sentença que, na maior parte das vezes, se traduzia em beijos ou abraços.
Claro que o efeito pretendido não surtia quando o executor da sentença era do mesmo sexo do executado.
As sentenças bem imaginadas eram aquelas que previam essa hipótese e deixavam alternativas.
Vejam a ingenuidade dos nossos jogos.
E a imaginação com que eram inventados, como forma de permitir o contacto físico ainda que simples e inócuo, entre rapazes e raparigas e que se restringia ao dos bailes e, mesmo assim, sob apertada vigilância materna.
A geração mais nova que ler isto vai ter dificuldade em compreender, eu sei...

«Jogos do Prazer e da volúpia»
Uma Mulher do Mundo, 1991, Colecção Canto Nono, Editorial Teorema
Colecção de arte erótica «a funda São»

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

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