27 maio 2017

«O mandador» - por Rui Felício

«Dançarina do ventre nua»
Óleo sobre tela, 60x50cm, 2003
Colecção de arte erótica «a funda São»
Por esta altura do ano, já o Calmeirão andava a ser solicitado para o ponto alto das Fogueiras de São João que ocorriam no mês dos Santos Populares em todos os bairros de Coimbra.
Na Arregaça, nos Olivais, no Calhabé, no Tovim, no Terreiro da Erva, na Alta...
No auge da festa, o Calmeirão empoleirado num palanque, de onde emergiam grinaldas de coloridas flores de papel, comandava a roda de pares que de mão dada circulava em torno da orquestra que tocava as marchas alusivas à época.
Era um homem corpulento, dono de um vozeirão que se sobrepunha aos instrumentos da orquestra e que ecoava pelas paredes do casario que envolvia o largo onde decorriam as fogueiras.
Mandava avançar, mandava inverter a marcha, rodopiar, mandava levantar os braços dos dançarinos, chegarem-se, afastarem-se, que lhe obedeciam com rigor.
- Todos para a direita, ao contrário palmas, chegadinhos, mulheres ao centro, tudo certo! - gritava ele a plenos pulmões.
Algumas frases da sua autoria incentivavam, aumentavam o calor dos corpos e dos corações.
Houve uma que ele cantava e que nunca esqueci:
- Nesta roda não há putas!... - cantava o Calmeirão martelando as silabas.
E os pares, ingénuos, embriagados pela alegria, respondiam em coro no mesmo tom:
- Há... Há... Há...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

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