15 dezembro 2018

«Um Natal diferente» - Rui Felício

(Há muitos anos, em Bissau,no tempo da guerra de África)

O Clube de Oficiais do QG de Bissau, tinha restaurante, bar, cinema, piscina e uma ampla área arborizada de mais de 20 hectares, ponteada por pequenas vivendas, onde viviam as altas patentes do exército. Era da capital que dirigiam a guerra da Guiné. Bem instalados, a maior parte deles nunca tinha posto os pés no mato que esse era o lugar para os milicianos...
Naquela sexta-feira à noite, véspera da noite da Consoada, o Major Beltrão estava em casa e mirava a sua mulher a arranjar-se para ir ao Clube de Mulheres de Bissau à reunião semanal de chá beneficente a favor da população desprotegida.
Aquela reunião iria ser diferente, mais sofisticada, por ser época de Natal.
Olhava-lhe a longa racha do vestido azul que deixava ver a parte lateral da coxa bem desenhada, apetitosa, provocante. O decote generoso mal escondia os seios alvos, firmes, palpitantes. Em frente ao espelho, ela retocava com baton vermelho vivo os lábios sensuais e o desejo do Major começava a tornar-se incontrolável. Não resistiu e pediu-lhe para ela não ir. Que ficasse em casa, que a sexta-feira era um dia especial e adequado para fazerem amor.Ela respondeu-lhe que também era isso o que lhe apetecia, mas que, sendo mulher de um oficial superior, parecia mal não ir. Era por causa do bom nome dele que fazia o esforço de assistir àquelas enfadonhas e cínicas reuniões de mulheres.
O major estranhava era que ela se aperaltasse toda, que se vestisse de forma tão sensual, para ir àquelas reuniões semanais. Além de que a maior parte dos seus colegas nunca lhe tinha falado nesse clube de mulheres. Já à porta, ela sorriu-lhe, beijou a palma da mão, soprou-a em direcção a ele, a simular um beijo, saiu e meteu-se no carro.
O major, desconfiado, chamou o ordenança, meteu-se no jeep e ordenou-lhe que seguisse o carro da mulher.
Pelo caminho, perguntou ao soldado se a mulher dele também ia ao Clube de Mulheres. O soldado sorriu e esclareceu-o que ela nunca saia de casa sozinha. Isso é que era bom!, dizia ele...Àquela hora estava a lavar os tachos e as panelas e a preparar as coisas para a Consoada do dia seguinte.
«Mulher escoltada»
1960. Taça em porcelana com mulher levantando
a saia, com meias de ligas, mostrando dois
soldados de chumbo. Peça de Raymond Peynet
para a Rosenthal, da colecção de
arte erótica «a funda São»
Na sua opinião, as mulheres têm de ser tratadas sempre com duas pedras na mão.
Ná! Com ela isso não aconteceria nunca. Andava sempre de rédea curta. E quando, por distracção, punha o pé fora do estribo, levava logo uma arrochada para se manter no lugar que lhe competia...- Ponho as mãos no lume por ela! Desculpe-me dizer-lhe, meu major, mas tem que ser mais rigoroso com a sua esposa para ela não descarrilar.
Chegados à baixa da cidade, viram a mulher do major a bambolear as ancas e a entrar no edifício do tal clube.
Desconfiado e roído de ciúmes, o major ordenou então ao soldado que fosse lá dentro e a trouxesse à sua presença. Ela é loura, como tu sabes, e está com um vestido azul. Minutos depois, o soldado saiu aos berros, arrastando uma mulher, toda descomposta, ao mesmo tempo que lhe ia descarregando uma saraivada de murros e pontapés.
O major saiu do jeep e gritou-lhe:
- Ouve lá, estás maluco? Essa é morena e tem um vestido vermelho. Não é a minha mulher, que é loira e traz um vestido azul!
- Pois não, respondeu o soldado, fora de si. Esta é a minha! Já lá volto para ir buscar a sua.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

Sem comentários:

Enviar um comentário

Uma por dia tira a azia