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31 março 2016

Contos do Vinte e Sete - «O aborrecimento do tractorista»

... a  fazer-me cócegas dentro das cuecas e pensei cá comigo: “Vinte Sete, onde vai que tu nã vás às maganas... mai logo, tá isso azedo...

Bem, cabranagem, tá tudo valente?
Há que tempos que não lhes dava de vaia, que é como quem diz, porra que o tempo passa e uma pessoa  até parece que se esquece dos amigos, nem com um bom dia amanda.
Prós mais novos, que os velhos já me conhecem de ginjeira, o mé nome éi: José Carlos Trambolica, mas a malta arredonda a coisa para Zeca Tramelica e depois das maganas terem feito soar por aí que sou pichalhudo, puseram-me o Vinte e Sete. E como éi uma fama com proveito, deixo a coisa andar, não sei se mentendem.  Bem, mas adianti!
Acabi de chegar da tasca do cabranote do Orelhas de Podengo, e disse cá para mim,  Zeca, nã achas que tás a ficar molengão?  Éi assim que se arranjam as famas ós Alentejanos.  A gente sabe que  os Galegos, quando vêm praqui trabalhari pelas alturas da estorreira, bem que a genti os ouve:- “Ai que isto num she pode, isto num she pode”. Que foi o que por acaso ouvi no ano passado, tava ali a querer passar com a minha Famel e tavam  arranjar a estrada pra Castro Verde, quando o maquinista, um gajo com falas lá do Norte, se saiu  com essa tirada e ainda era só Julho. E atão, eu que nã sou de ficar calado arrespondi-le: 
- “Atão mas compadre, são só dez e meia da manhã, e você diz que nã se pode? Deixe chegar aí as duas da tarde, nem digo agora, mas aí pró mês que vem e logo vê o que é trabalhar ó calor no Alentejo. Nã queira tirar uma sestazinha pela estorreira que logo vê se aguenta!”
Bem, mas numa coisa eles têm rezão: se a genti puder  fazer por metade do trabalho, nã faz pelo dobro,  lá isso nã faz, só que isso nã perdoa eu nã ter escrito uma só linha, onde vai já ós meses, das partes que se passam aqui no mé monti, que éi quase uma aldeia, com estrada de alactrão e tudo a passar mesmo ao lado.  Por isso, toca a escrever ai umas alembraduras que é pra malta saber a vida que uma pessoa leva.
Tava eu com o treco-lareco-de-orelhas a fazer-me cócegas dentro das cuecas e pensi cá comigo: “Vinte Sete, onde vai que tu nã vais às maganas, dar uma berlaitada  pra despejar o óleo, mai logo, tá isso azedo e nem pra queijinhos dá!”
E atão, lá fui na minha Famel. 
Às putas, poisatão, pra pôr o vinte e sete na vinagreira!
Quando tava de volta e bem satisfeito, tava já a pôr-se escuro, e tava o mé vezinho, esse que é tractorista à do Dom Parreco, chegando à porta da tasca e dé-me sinal prá gente beber um branquinho. Eu que não sou de modas arrefinfê-lhe logo com um quejenhito em cima da mesa com um bocado de pão que tinha comprado pelo caminho e pensi, Vinte e Sete, assim como assim, com isto e mais um pires ó dois de petisco aqui da tasca, ficas logo jantado. 
O mé vezinho tameim tinha trazido metade de uma linguiça e a gente comendo e bebendo lá foi. Mas encontrei-o assim mais pró lado do calado pró que é costume, e atão perguntê-le: 
-  “Ôve lá, tás um bocado murcho homem, qué que tens?”
E atão ele arrespondeu-me.
- “ Tas a ver ali os olivais novos do Dom Parreco, nã tás?” 
  Eu assenti-le que sim enquanto emborcava o branquinho e ele continuou.:
-  “ Sonterdia chegou-se le ó péi um gajo muito penteadinho, de fato e garvata,  a calcinha preta muito vincada e com  sapatinho de puta, muito fininho, ali de espantalho no meio dos torrões, com uma pasta de baixo do braço. Éu tava lá com o patrão a combinar um trabalho de tractor que tinha de ser feito ali na chapada alta, e ouvi a conversa toda. O filho dum cabrão perguntou se era o Dom Parreco, o dono das propriedades, apresentou-se, abre a pastinha, tira de lá um catálogo e um daqueles tabuletes ó lá o que é, e começa a falar e a falar, que até parecia uma metralhadeira e a mostrar coisas na tabulete, e  que era representante de umas máquinas que faziam tudo, na apanha da azeitona e na lavoura da terra, o gajo falava e falava e o Dom Parreco ouvia, ca pachorra que ele tem e o outro, vá de falar e falar.
Às tantas ele sai-se com esta pró mé patrão:
 - “Por exemplo, o senhor tem agora neste momento quantas mulheres na apanha?”  Ele lá disse, são mais de sessenta mas chegam a ser cem, consoante o serviço.
- “Pois com esta máquina o senhor poupa imenso dinheiro e fica descansado com os problemas, os atrasos,os ordenados e por aí fora. É toda programada, faz a apanha selectivamente, separa as folhas, separa as azeitonas por tamanho, cor e até grau de maturação, depois na volta faz a limpeza do terreno, espalha adubo por doses consoante a porção de terra porque também analisa no instante em que está a a adubar a necessidade das plantas, e ainda, faz as podas na altura que devem ser feitas. E além do mais….”
Foi ai que o Dom Parreco interrompeu e saiu-se com esta:
-“Mas escute lá só uma pergunta: Esta máquina que faz tudo,  também faz broches?”
Bem, por esta é que o lingrinhas nã esperava. Meio engasgado e com cara de parvo lá respondeu: 
 -“ Não… Isso é que não faz...”
-Então deixe lá as mulheres virem mais uns anitos e depois logo falamos nisso….”
Bem, cabranagem! Apanhei uma pele de rir, que quase me engasgava. Até o tasqueiro, com aqueles olhos de carneiro mal morto, de olheiras até ós queixos e as bochechas penduradas,  parou  de secar os copos. Ele nunca mostra os dentes, mó do respeito que quer dar e por ser cabranote, mas a gente que o conhece onde vai há que tempos, viu nos olhos dele que tava a estoirar por dentro, a cara sem mexer nem um fio, mas atão os olhos!!!
Tava eu a rir quando repari que o mé companheiro continuava murcho e sem vontade nenhuma.
-“ Atão o que tens homem? Continuas desengraçado e eu aqui morto de festa a imaginar a cara do penteadinho…hahaha, tá boa, a máquina faz broches…hhhhhhheheheee…que piada, tá bem metida, hehehehehe”.
Só que ele nem truz nem mús, calado e murcho, nem um sorriso e depois saíu-se:
-“É que sabes? A porra é que no meio da conversa toda, o finório disse que a máquina nã precisava de tractorista….”
Foi aí que eu, que sou um velhaco muita grande nã me seguri e disse-le:
- “O homem! Atão mas isso resolve-se bem. Pões um anúncio no jornal. Ou então mesmo à tua porta em letras grandes: -Tractorista com experiência oferece-se . Faz broches de toda a maneira-!”
Bem pela cara do mé companheiro, ele nã deve ter achado piada nenhuma, só o que é, é que o Orelhas de Podengo desapareceu por de trás do balcão.

José Carlos Trambolica,
( Zeca Ramelica, o Vinte e Sete.)

Publicado por Charlie

13 abril 2009

Segredo do Borrego à Pastora

Toda a vida fui pastor
Toda a vida guardei gado
Tenho uma cova no peito
Ai... ai...
De encostar-me ao cajado


(Popular Alentejano)

...Vai provar o melhor borrego à pastora de toda a sua vida...

Hei cabraganem.
Tá tudo porreiro por aí?
Pois aqui o tempo anda de trombas voltadas, ora faz um frio dum cabrão logo seguido de sol, ora quando não vai, lá vem uma leva de chuva.
Não que ela nã faça falta. Nã senhor! Só que o cabrão do frio é que podia ficar fora à parte. Assim a meio de Abril, e de Páscoa a correr, só apetece é comer o borrego ao ar livre, e, como o tempo anda não dá jeito, néi?
Vossamecezes repararam na moda Alentejana com que abri esta parte que lhes vou contar. Por acaso tava a fazer este posti, e mal acabi a quadra deu-me uma pele de rir que quase me engasgava, eehehehehehee... Aghhhh... Zeca... filho dum cabrão, que tens boas...! Heheheheeee...
Alembrei-me logo do Nelo, mó disso das covas. Ele que nã quer nada com covas, se tivesse uma no peito, tal nã havera de ser a desgraça... ehehehehe. O gajo a nã querer nada com covas e ter de gramar uma mesmo ali à mão a toda a hora e a um palmo dos queixos eheheeeeheheee. Ora que porra... heheheheheeee... tá boa, nã tá?!
Bom, já me ia desmanchando a rir outra vez mas nã foi para falar de paneleiros que vim hoje aqui dar de vaia.
Venho falar dum prato que a gente faz que é o borrego à pastora. Atão nã querem lá ver que arrecebi em casa na caixa do correio um convite para uma semana de provas sobre a comida feita com borrego?
Bom, se há uma porra que eu nã gramo é essa paneleirice de andarem a fazer concursos e não perceberem nada de como se fazem as coisas na forma original. Nã-nã...
Devem vossamecezes calcular que um gajo como eu, que passa semanas no campo a guardar gado, deve ser quem melhor conhece os segredos dos bocados de bicho ao lume em panela de barro.
De modos que eu, José Carlos Trambolica, conhecido por Zecatramelica e para os amigos pelo Vintesete, enfiei-me no fato, peguei na minha fragoneta e ala que lá fui a caminho até à cidade, à Exposição onde era essa baiana.
Mal chegui ao restaurante de convite na mão, quem é que havera de estar à porta?
Uma coisa dum homem ficar de água na boca. É que a gaja era linda, porra! Mas mesmo linda! Tava a receber as pessoas e a encaminhá-las para as provas.
Vá de conversa, práqui e práli, e toca de provar o borrego à pastora.
Bom! Foi logo à primeira! Trazia batatas e mais umas porras que eu cá nunca pus junto ao borrego.
Aghhhhh! Mas um gajo como eu, que sou fino como o azeite, pegui logo no assunto com outras manitas. Eu nã me perco... agora cá! Era o que faltava! E como fiqui logo fisgado na magana e como ela dava paleio, fui-me logo a ela. Nã fosse eu o tal do vintesete na vinagreira!
Logo, logo ela nã ficou muito sastefeita por eu dizer que nã tinha gostado e que nã era assim que se fazia o borrego. Conversa puxa conversa e tal e acabou por dizer-me que nã era dali, que tava em trabalho temporário a fazer apresentações e essas coisas. De modos que mal a vi assim murchita arrebitei-a numa tirada: - Escute, o melhor para saber dos segredos deste preparo, é vir daí mais eu, que dou-lhe a provar o melhor borrego que já alguma vez experimentou.-
A bicha riu-se, fez um jeito de nã querer e que ficava para depois, mas comigo nã há magana que me escape quando lhe fisgo de apetites, de modos que com mais umas letras e umas larachas a preceito, a coisa bem trabalhada, assim que se viu livre, acabou por ir ter comigo ao Monte do Cardo.
E aí é que foi, moços. Tava já o borrego na panela a encher tudo de cheirinho e o pão cortado fininho para migar no caldinho na hora certa, quando lhe pus umas lascas na fervura que a fizeram abrir muito os olhos.
- O que é isso, Zeca?-
- Este é um dos meus segredos... Silarcas!- disse-lhe numa piscadela de olhos depois de esperar um pouco para ver-le bem os olhos de espanto.
- Silarcas?! O que é isso de silarcas? – perguntou ela por entre as dentadas que ia dando numa borda de pão com queijinhito de cabra acompanhado do branquinho a preceito.
***

Foi só já no quarto interior que ela descobriu que os gostos que irrompem das profundezas da terra têm esse sabor único e incomparável por mais que ao enlatá-los, depois de criados em aviários, os promovam a figuras de cidade e de nomes estranhos como champignons...

José Carlos Trambolica
(Zecatramelica o Vintesete)

24 março 2009

A mulher do Zé Manita, o Orelhas de Podengo.

Por Zecatramelica

... Aquilo depois de lavado e limpo fica tal e qual...

Mas ó Ana Maria Moleira!
Mó de quê é que eu semeei as ervilhas?
Foi para te andarem a servir de esteira?
É que o mano Manél Morais
e os outros marmanjos mais
dão-me cabo dos legumes!
Ora porra para tais costumes!
Vão chumbar prós seus quentais!

(popular Alentejano, zona de Aljustrel)

Atão, cabraganem! Pra quem nã me conhece, sou o Zecatramelica o Vintesete e vivo da criação de gado aqui no Alentejo profundo algures entre Castro Verde e Mértola.
Gosto de vir aqui de vez em quando contar umas partes antigas ou mais recentes cá das minhas bandas.
Agora que arrebentaram aí uns diazinhos mais quentotes, é ver a marmanjada toda a passar a caminho do Algarve. A maioria mete-se na auto-estrada e quase já nem sabe do resto do País nem a porra, tirando uns quantos que ainda se astrevem a dar a volta pelo interior mais profundo.
Lá vai um, quando bem não, que se mete nas estradinhas secundárias, dá de vaia a um homem à beira da estrada e pára para matar a sede.
E foi mesmo um macaco desses que fez o Zé Manita, orelhas de podengo, a ficar com o feitio dum cabrão que ele tem agora.
Já é sabido que a cabranagem de Lisboa e do Norte gosta de se meter com os Alentejanos. Ele é as anedotas, ele é pararem a fazer magação com o pessoal, mó da gente ter assim um feitio brando e gostar de fumar um cigarrote desses que a gente enrola ao fim da tarde, ali à soleira da porta a ver o pôr do Sol enquanto o tempo nã passa.
De vez em quando chumbam-se, como daquela vez em estavam a mangar com um compadre e vá de meterem-se com ele e a rirem dele, e quando no fim se foram embora e lhe perguntaram o nome, ele respondeu que se chamava o "pau nas nalgas" e assim que chegassem a Lisboa poderiam dizer lá ao pessoal, que tendo estado no Alentejo, tinham passado o dia metido com o pau nas nalgas...
Bem mas nã foi este o caso com a mulher do Zé Manita, o tasqueiro, orelhas de podengo. Primeiro é preciso dizer que ele apareceu com ela ninguém sabe bem daonde, nã se sabe se de Almodôvar, de Beja ou lá de que bandas.
Devo dizer a bem da verdade, que nã sei bem porqueim ei que o orelhas de podengo tem tantos ciúmes, ele que nem consegue ver as unhas dos pézes quando está de pé. E digo isto dos ciúmes dele por três razões:
À uma: Aquilo é mulher a mais para ele, um desperdício. O bicho quando encosta a barriga ao balcão fica quase a um metro dele!
À outra: Um homem solteiro como eu, também tem direito a enterrar o vinte sete. Sou solteiro nã porque nã goste de mulher. Gosto e muito, mas gosto de todas, tão a ver?
À terceira: Aquilo depois de lavado e limpo fica tal e qual e até é das coisas que ficam melhores com o uso e nã se gastam.
Bom, mas como ia dizendo, o cabrão apareceu no monte com ela, e com o dinheiro duma herança e da venda duma propriedadezita que era duma tia, montou o tasco junto à estrada e começou a governar a vida. Tá claro que o pessoal dos montes ali à volta, sabendo que havia por ali um palminho novo, deu em aparecer e a fazer movimento até que houve um que vindo de fora a reconheceu e que falou baixinho aos outros: - A bicha era cambalhoteira e ele já a tinha visto ali para as bandas do "não me alembro agora bem" e mais isto e aquilo. -Bom, a palavra espalha-se e o tasco passa de tasco a Café de estrada mantendo o tasco da parte de trás e o Zé Manita a encher-se de arame. Ela aparecia uma horita ao fim da tarde para ajudar nos petiscos e era um lustro aos olhos. Mas tá claro que nã me adiantava com a senhora até porque uma coisa é as conversas e outra coisa é a outra coisa e a lidação era ali só um bom dia, boa tarde, e com Orelhas ciumento sempre ao pé e a mancar, tínhamos avondo com poucas conversas.
Mas um belo dia um viajante de roupinha feita para mulheres, e que ia para Mértola, parou para beber uma cerveja e olhou para ela. Ela olhou para ele, ele olhou para ela, ela foi ao balcão e eu que estava lá nessa ocasião, vi como os lábios se mexeram no instantinho de nada que foi o levantar da garrafa e do copo.
Nessa tarde, já nem me alembrava dessa parte no tasco, meti-me na minha fragoneta porque tinha de ir ao Grémio da Lavoura ali a Beja mó duns atavios pró gado. Estacionei a fragoneta, saí, e quando bem não, dei de caras com ela e com o marmanjo de mãos dadas. Digo cá pra mim: - Aghhhh Zeca,.. que sempre bate certa a conversa do fulano sonterdia lá no tasco. E lá tá o que eles disseram num nada ali ao balcão! -
Ela mal me viu, disfarçou tirando a mão, e disse-me que era um amigo de longa data. Depois baixinho quase ao ouvido disse-me para não dizer nada lá no monte, que ela tinha dito ao marido que tinha vindo ver a Mãe, com quem ele não se dava, e que depois logo falava comigo.
E falou comigo sim senhora. Sempre longe do monte.
Das conversas que tivemos eu nã digo nada porque um homem que é homem come e cala, mas lá que os orelhas de podengo começou a ver alguma coisa nos olhos da mulher quando eu lá estava, lá isso deve ter visto porque ela deixou de aparecer no tasco e o orelhas, um cabrão desconfiado daqueles, a ficar de tirão-virão comigo...

José Carlos Trambolica
(Zeca Tramelica: O Vintesete)

23 fevereiro 2009

Come e Cala-te, Zeca...


"Um copinho, dois copinhos
três copinhos de aguardente
As moças cá da terra
Fazem sentir a gente quente"


"Um copinho, dois copinhos,
três copinhos de licor
Levas um murro nesses cornos
Passa-te já o calor"



(popular Alentejano)


...levi um sopapo nos cornos que até vi estrelas...

Eh cabranagem.
À certa que muita gente já conhece estas duas quadras; a primeira a jeitos de piropo de forasteiro e a sigunda o remoque azedo dum mano da terra que ouvindo a quadra e nã gostando da pinta do gajo de fora lhe responde com esse gosto que nã lhe tinha.
Bom mas isto é pra dizer que cá o VinteSete já tem passado por ocasiões dessas.
Como vossamecezes sabem, a minha vida é no campo com o gado, ando dum lado pró outro com as alimárias, vou às feiras e cá me governo. Há alturas em que um homem vai à cidade uma remessa de vezes e vai nã vai, lá vai uma atanchadela. Ele há agora uma bichas boas na rastomenga e na espremedela, que até os olhos e a unhas dos pés se reviram, porra dum cabrão que um homem parece que se desfaz em leite em cima delas!
Só que a porra éi que taméim há alturas em que um gajo, mó de andar muito ocupado, nã pode ir à cidade prá festa. Éu cá tenho uma fragonete pra levar o gado pró negoiço, mas nã a posso levar quando vou às máquinas de tirar leite, que isso mete sempre copos e asdespois é uma moenga mó da Guarda e o soprar do balão mais a porra...
De jeitos que costumo ir na minha motorizada até Castro Verde e depois apanho a camioneta da carreira, mas isso éi quando há vagar e há alturas em que nã há vagar.
E foi numa dessas alturas em nã havia vagar que vi aquela gaja ali parada na estrada quase junto ao tasco do Zé Manita, o filho dum cabrão, orelhas de podengo, a pedir boleia. Tinha estado a tosquiar umas ovelhas. Nã sei se vossamezeces já lhe viram as rachas, mas um homem depois de rapar uma dúzia delas e nã apanhando nada há uns dias, o melhor que faz é ir-se embora que fica com uma brotoeja na braguilha, pior que a sarna. E cá o Zeca nã quer passar pela parte desse pastor a quem perguntaram como se governava sem sexo, ali no descampado, dias e dias a fio. Ao que ele respondeu que muito bem; - pergunte a quem quiser menos ali àquela ovelha, a malhadinha, que ela é muito mentirosa...-
Ora tendo eu abalado com o azinho por entre as cuecas e vendo a febra ali de dedo esticado nã perdi tempo.
- Aghhhh...- disse eu cá pra mim:- Zeca... Zeca Tramelica. Nã te esqueças do que o té avô te ensinou: "na pastagem, ovelha que berra, é bocado que perde. Nã desperdices nunca uma aberta. Come o que puderes!" – De modos que avanci logo todo lampeiro direito a ela enquanto lhe mirava prás pernas e prás mamas. A magana era boa, jeitosa e ali mesmo à mão, e eu cheio de rebarba... Nã sei se tão a ver, né?
- Posso ajudá-la, menina? –
- Foi o carro,- respondeu apontando ali prós lados do tasco do orelhas, - agora estou a ver se apanhava uma boleia ali a Mértola para ir buscar um mecânico...-
- Nã se preocupe mó disso que eu vou já buscar a fragoneta e levo-a.-
E foi já a meio caminho que a seguir a um pouco de conversa onde ela me disse trabalhar num bar que eu parei ali num desvio debaixo dum chaparro e le preguntei se nã ia uma espetadela. Bom moços! Leví um sopapo nos cornos que até vi estrelas!
- Você deve ter levado muito estalo, seu descaradão, seu estúpido, seu atrevido! –
- ... Sim... tenho levado... Mas também já tenho chombado muito.- respondi-lhe baixinho e de mão na cara a desfazer o ardor.
E nã querem lá saber? Atão nã ei que acabi, - depois de levar aquele chapadão - na rastomenga, de vintesete na vinagreira, em cima da manta, espojados por trás do chaparro? Eh moços! Bela bicha e bela espremedela! Que ele há coisas muita boas e esta foi das melhores, que já nem sabia onde era eu, onde era ela e onde era o chaparro! Tamanha foi a rastomenga que era pernas, mamas e galhos, tudo misturado num enleio do mete e tira, que só de me assomar a lembradura me começa a bater o coração na braguilha!
Fui levá-la mas fiqui com ela a bater-me cá na caixa córnea e há dias volti a Mértola a ver se a via. E foi mesmo junto à rotunda cá em baixo que a vi passar.
Éu tava num Café a beber um branquinho e disse a um que era de lá e tava tameim a beber um copo à porta, como a magana era boa. Mas o bicho dum cabrão respondeu logo, em tom acabranado e azedo, para eu tar calado, que ela estava agora por conta dum que tinha sido cabo da Guarda prós lados de Santana ou da Vidigueira, ou coisa parecida, e que era mau como as cobras.
De jeitos que alembrei-me das quadras de cima e bebi mais um.
-Come e cala-te! – remati para dentro, levantando o copo enquanto fazia um brinde à memoira do mé Avô e que entre outras tameim me tinha ensinado esta....

José Carlos Trambolica
(Zeca Tramelica, o VinteSete)

15 fevereiro 2009

Ando de falas cortadas com o Orelhas de Podengo.

Minha fala, minha fala,
minha fala não é esta.
Minha fala era boa
ó meu lindo amor,
Est´agora já não presta...

(popular Alentejano)

Eh cabranagem!
Isto tá-se a compõr, tá-se, tá-se.
Nã estava a falar cá da força da verga que essa está sempre a pau de azinho.
Nã....
Era do tempo. O tempo dum cabrão que andava aí meio esquisito, ora chovia a cântaros com um cabrão dum vento gelado que se metia pelas ciroulas acima e ia até à tomatada, que nem pra mijar apetecia tirar a gaita pra fora, ora caía granizo e até ali mais adiante apareceu neve na Serra, que nem me assoma à alembradura de em Era alguma a ter visto!
O que vale aqui nessas ocasiões de má tempo, ei à noitinha, lá na taberna do Zé Manita, esse que tem umas orelhas de podengo, e que os má-linguas dizem que éi mó dos cornos que as empurram.
Como ia dizendo; na tasca do Zé Manita, a gente ajunta-se, aí uns quatro ou cinco manos e vá de copos de branquinho, a par dum queijinhito de cabra, um presuntito, uma linguicita e uma borda de pão, (já tavam a pensar que era uma borda de cona, malandros) e temos a nôite feita a contar umas partes e a mangar uns com os outros.
De modo geral a coisa nã corre mal, mas sonterdia, ele foi uma porra que mal chegui à taberna , - tinha eu acabado de fechar a cerca do gado -, e diz o Blé assim prós outros, como quem nã quer a coisa e modo que eu mal ouvisse:
-Xó... que cheiro a boi...-
Aghhhh.....que ele há coisas que um gajo nã pode ouvir sem le ferver o sangue, e já hà uns anos, quando eu lhe tinha tirado o sarro aos cornos lá na barraca das putas com duas bordoadas mó disso de me chamarem o Vintesete, ele se tinha estreado.
De modos que nã tive com meias medidas, e dando uma cachaporrada no cachaço da alimária, avancei logo com a tirada: - A mim tameim me cheirou mal entrei na porta.- E vá de rir...!
Bom moços! Quem nã gostou nada da minha saída em jeito de resposta ao Blé, foi o Manita, mó disso de dizerem que ele é cabrão, e vai daí sai de trás do balcão, arregaça as mangas e põe-se à minha frente: - Escuta lá ó VinteSete; essa conversa é pra queim?-
Pronto! Tava a merda feita. Se vossamecezes nã sabem fiquem sabendo, que nã se pode chamar cabrão a um gajo que o é. Nem sequer insinuar. Chama-lo sempre a quem nã o é.
E o bicho cum cabrão pensava que era mangação com ele, isso da minha resposta!
De modos que nã sou cá moço de mandar recado e disse-lhe logo que a conversa nã era com ele e que aviasse uma rodada.
Só que o filho dum cabrão, um cabrão daqueles, orelhas de podengo, disse-me logo que eu ali nã bebia mais nada.
Aghhh..moços! Se nã fosse o Blé mais os outros separarem tinha-lhe porrado os cornos com duas ou três bordoadas que é para ele nã ser cabrão.
Práli falaram, com o compadre Moquenco a pôr água na fervura e a coisa amainou.
No fim ainda bebemos um litrote mas as conversas com o Zé Manita acabaram nesse dia.

E é por isso que estou contente com o dia de Sol que está a fazer hoje.
Já vesti a minha roupita de Domingo, mais logo meto-me na minha motorizada até Castro Verde e depois apanho a camioneta prá cidade que isto hoje mete festa.
Soou-me que a velha tem carne fresca: Cranianas, ou Crunianas, ou Ucrunianas, ou lá o diabo que seja. Nã sei nem me interessa: O que eu quero é chegar lá, beber um copo e enterrar o vinte e sete na vinagreira.
Se querem vir, ainda tão a tempo.
Pode ser até que a gente se encontre e cá o compadre paga uma pinga.
Vá, que um dia nã são dias!
Atão: até já...


José Carlos Trambolica
(Zeca Tramelica, o VinteSete)

08 fevereiro 2009

Quem sou eu, o VinteSete, e de onde me vem a alcunha.

" Adeus ó Feira de Castro
que já te vou conhecendo
Trago a ponta do pau gasto
e as bordas do cu ardendo"

(popular Alentejano)

Bem cabranagem cá do sítio. Deixem-me cá apresentar.
Nasci e vivo há uma remessa de anos num lugar chamado Monte do Cardo que fica entre Castro Verde, Almodôvar e Mértola, e que alguém baptizou de Alentejo Profundo.
Fui baptizado com o nome de José Carlos Trambolica e por ser mais fácil à língua todos me chamam Zeca Tramelica, mas os que me acompanham nas paródias e me conhecem bem tratam-me por o Vintesete.
Donde é que vem o nome Vintesete? hadem de perguntar. Lá tá o caso, respondo eu.
A canalha dum cabrão não pode ver ou ouvir uma coisa que lhes caia em graça que tem de fazer-se engraçados o tempo todo e vai daí esta do Vintesete.
Isto vem do tempo em que as feiras eram duas ou três vezes por ano e enchiam-se de toda a sorte de barracas. Ele era os carrocéis e polvo assado, as barracas do bacalhau frito, dos frutos secos, das loiças e latoaria, barros e arames e por aí fora. Mas também havia barracas de copos de vinho e petiscos e, - nã falhava - , a barraca das putas!
Nesse ano, ainda éramos quase moços, fui eu mais o Manél Bochecha, - o Blé - que é filho da tí Lucinda Cachola, à feira de Castro Verde.
Ei moços, o que a gente andou. Andámos que se fartámos. Foi toda a tarde.
A feira era então feita nas ruas da Vila numa confusão dum cabrão que só visto, que era tudo a cotovelar-se e a gente a aproveitar-se para esfregar-se, vai não vai, pelas lambiscas assim como quem nã queria a coisa.
Fizemos os nossos avios, falei com alguns negociantes de gado. Apalavrei uns negoiços e quando demos por ela já havia alguns petromax acesos que a tarde estava finda. Távamos de sovacos suados, de pézes empoerados, com uma puta duma sede, e onde é que a gente havera de ir? perguntam vossamecezes. Pois tá claro que foi à barraca dos copos de vinho. De patanisca de bacalhau ainda nas unhas e a dar à queixada foi então que demos com a barraca do putedo, mesmo parede meias com o tasco.
- Vai uma atanchadela? - Disse eu ao Blé Bochecha apontando para um fio de luz que saía por uma greta, enquanto entrávamos a rir para os copos.
- Sai um branquinho pra cada um - disse eu, ainda a mastigar o resto, ao tasqueiro.
Bebemos um, depois o Blé pagou outra rodada e depois veio mais um petisquinho, e mais uma rodada, e depois perdi-le o conto, mas deve ter sido uma bela duma meia dúzia senão mais.
A modos que quando saímos, já noite entrada, a coisa ia meio alegrota e foi então que calhou a gente reparar outra vez na barraca das putas.
- Atanchamos ou não, repeti olhando para o Blé. Nem esperi a resposta que eu adianti-me logo:
- Ahh... Atanchamos pois! Bora entrar!
E entrámos. A barraca era feita de duas partes, uma delas escondia com um reposteiro as camas onde as espremedeiras, que olhavam prá gente, tratavam dos molhinhos à freguesia. Por trás do reposteiro chegava meio abafado um chapinhar e no ar enfumarado havia uma mistura de cheiros e de tabaco.
Logo à entrada estava a Matrona, mais deitada do que assentada, num sofá encarnado, fumando uma canilha de mamas descaídas mancando quem entrava. Olhou para gente de alto a abaixo, desconfiando do nosso aspecto ainda muito novitos.
- Isto aqui é só para gado de bico. Se é para ficar a olhar é melhor darem meia volta. Cada espremedela são vinte escudos e não há descontos!
Bom, o cabrão do Blé, que é um cagarolas da porra, pegou-me logo no cotovelo do casaco como que a puxar-me para a rua. Mas eu, porra dum cabrão, sacudi-le a mão duma só leva e empinei-me com a velha:
- Escute! Por quem nos toma? Deixe-se lá de xarengas que a gente tá aqui para enfiar a medida do vinte e sete na vinagreira.-
Haviam de ter visto a cara da velha a olhar-me prá presilha das calças quando me saiu esta do vinte e sete! Só que foi aqui que o filho dum cabrão do Blé desata a rir, com um riso fininho apaneleirado. Devia ser dos nervos, mas até parecia um panasca, um cabrão daqueles:
Hahahaha... hihihihi... o vintesete, essa tá boa... hahahaha... vintesete... hahaaaahaha o vintesete... ó Zeca... o vinte sete ahahahahahaaa... hihi... hihihihi...
Bom, moços! Nã me contive e dei-le duas cachaporradas nos cornos que até estrelou!
- Atão, a gente vem para atanchar ou é para estares praí a mangar?
E atanchámos, ai se atanchámos! Pelo menos falo por mim que minha bicha era boa! Mexia-se que nem uma cobra. Mas depois, no lugar de estar calado, o cabrão do Blé veio com essa do Vintesete para o monte, e assim é agora como o pessoal mais chegado me trata.
Pronto, isto foi só para saberem quem eu sou e donde vem esta puta desta alcunha do VinteSete. De vez em quando virei por aqui contar umas partes que me aconteceram no Alentejo e não só, e foram muitas.
Até já se nã for antes.

José Carlos Trambolica
(Zeca Tramelica, o VinteSete)