16 outubro 2010

O Quarto do Vazio - A Pintura

Júlia vivia atormentada. Cria numa vida que não era a dela, com detalhes desfocados pela sua própria inexistência. Júlia sofria demasiado com o pouco que lhe faltava, admirando pouco o muito que estava a conseguir. A orientação dos seus objectivos visava um mundo material repleto de esplendor para lá da janela porta do mundo, razão pela qual continuava a jazer naquela cama espinhosa. Mas paulatinamente, de momento em momento, Júlia alterava os seus objectivos ainda que navegando pelo material. São paixões. São efémeras. É o acomodar do renascer. E a ausência que ela sentia apagava as paixões mas fortalecia o amor. Júlia já tinha iniciado a pintura das paredes do quarto e os vazios estavam a dar lugar ao amor próprio. Já tinha feito algumas investidas para o lado de lá da porta, e até já tinha aberto um pouco a janela, mas ainda não tinha reorientado os seus propósitos. A alcatifa ainda tinha muitas marcas de sapatos, mas começava-se a lobrigar algumas marcas repetidas. De sapatos melhores cujos donos já não queriam diluir a Júlia, mas preservá-la no seu amor próprio. Já não eram clientes. Já eram amigos, parte da sua vida que ajudavam de quando em vez, a pintar mais um pouco da parede. Um deles até lhe ofereceu uns panos que caem do tecto mais transparentes que os anteriores. As ilusões já não são tão privadas nem tão primitivas. Já há partilha. Já existe carinho. Já começa a haver brilho.

Aprendam...

... como diz o Car(v)alho, "que eu... não durmo sempre!"

Linhas

A linha imaginária
torna-se numa volta
sem regresso
de um laço espantado
de tanto se enlaçar.

As linhas encurvam
nas curvas do caminho
e de imaginárias
tornam-se - um dia -
vislumbres de amor.

Quererás voltar
neste laço que o sonho
não perderá?

Poesia de Paula Raposo

Já merecia um clube de fãs...



O admirador secreto


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15 outubro 2010

Um Interrogatório Informal

Vindo expressamente do Brasil para se encontrar e ouvir informalmente o ilustríssimo causídico português, que jurava a pés juntos querer colaborar incondicionalmente com a justiça brasileira mas não ter tempo para se deslocar ao Brasil, o rotundo Delegado Baleia mantinha ao fim de seis horas de conversa o mesmo ar descontraído, fresco mas repetitivo, insistente e tenaz com que a iniciara, apesar de se encontrar farto do seu melífluo, prolífico, escorregadio e inconsequente interlocutor – o Delegado coleccionava adjectivos que ia anotando em letra miúda nas margens das folhas do coçado caderno de argolas que o acompanhava e usava para tomar notas.
Sozinhos, o Delegado e o advogado, oficialmente não suspeito, esgrimiam e partilhavam de forma etérea, indefinida e aparentemente inconsequente argumentos, perguntas e respostas, dúvidas, conclusões e histórias relacionadas, nem sempre compreensivelmente, com as pessoas, as relações e os factos sob investigação.
A vasta experiência a interrogar toda a espécie de gente e a leitura compulsiva de policiais, haviam criado no mítico Delegado Baleia a capacidade de permanecer durante horas a fio com o mesmo ar e com o mesmo tom que adoptava no princípio dos interrogatórios e, em trinta anos de serviço, o Delegado só contava dois suspeitos que o tinham ultrapassado em paciência, frescura e talento para permanecer todo o interrogatório sem sinais de cansaço, desânimo ou desespero. O Delegado moía-os e cansava-os de uma maneira tal que, era certo, num dado momento os interrogados acabavam por quebrar – ainda que isso nem sempre fosse consequente para a investigação.
O Delegado recordou os dois interrogados que o haviam aguentado, ambos com mais cabelo que o homem que se sentava agora à sua frente, e, muito a custo, começava a convencer-se que teria de acrescentar um sujeito careca à reduzida galeria de interrogados inquebráveis.
Rodando a cadeira que viera com ele do Brasil, o Delegado ouvia com ar interessado o advogado relatando os fastidiosos e áridos pormenores de uma operação financeira e, ainda que a voz do interrogado lhe soasse um pouco fatigada, estava prestes a admitir a derrota e a dar por terminado o interrogatório na próxima hora, hora e meia: logo que recapitulassem a noite do crime pela vigésima vez. Foi o que fez logo que o causídico se calou.
Após longa e monótona recapitulação dos passos do interrogado no Brasil à data dos factos, o anafado Delegado declarou (levando o advogado ao desespero):
“Há coisas que eu ainda não percebi, doutor. Provavelmente, por incapacidade minha, admito, mas a verdade é que estamos aqui para nos esclarecermos ou, pelo menos, para eu me esclarecer.
Como já lhe disse e agora reafirmo, o Estado Brasileiro agradece encarecidamente a sua disponibilidade para se encontrar comigo. Da mesma forma que agradece ao Estado Português a disponibilização deste gabinete para o nosso encontro informal.” O Delegado olhou em volta. O ilustre causídico por mais que tentasse – e tentou muito – não conseguiu perceber se o interrogador estava a ser irónico, ainda que lhe parecesse que só podia dada a exiguidade e aspecto do gabinete.
O Delegado voltou a fixar-se no interlocutor e continuou:
“Longo e frutífero encontro em que, no entanto, eu me sinto defraudando todas as expectativas, até as suas, doutor. Ou principalmente as suas, doutor, que, com toda a certeza, esperava mais da pessoa que atravessando o Atlântico para consigo conversar e que o doutor certamente procurava iluminar…”
“Sabe, Delegado…” O advogado interrompeu a enviesada repetição do discurso inicial que o Delegado debitava mas calou-se. Olhou para os sapatos, passou as mãos pelo rosto e tornou a suspirar. Hesitava. Pousou o cotovelo esquerdo no braço do cadeirão onde estava sentado, apoiou o queixo no polegar da mão esquerda e tapou a boca com o indicador dobrado em forma de gancho. Olhou para o Delegado que se mantinha impávido à espera da continuação. O advogado cerrou os lábios, soltou o queixo, pousou o cotovelo direito no braço respectivo do cadeirão e juntou as mãos, entrelaçando e separando os dedos.
“A velha atacou-me”, desabafou com um profundo suspiro de cansaço o ilustríssimo causídico, causando o invisível pasmo do Delegado.
“Atacou-o, doutor?”, perguntou o Delegado, agitando-se ligeiramente na cadeira e mordendo ligeiramente o lábio inferior enquanto esperava pela resposta.
“Atacou-me”, confirmou sem mais detalhes o causídico, notando satisfeito a alteração, ainda que mínima, da expressão do Delegado.
“Atacou-o como?”, insistiu o Delegado.
“Atacou-me sexualmente”, completou o causídico, com uma careta como se a qualificação do ataque o incomodasse.
“Sexualmente?!”, soltou o Delegado, espantado. “A vítima atacou-o sexualmente?”
O causídico assentiu com a cabeça.
O Delegado procurou raciocinar mas não conseguiu e perguntou automaticamente como fazia nos casos de estupro: “A falecida molestou-o usando de violência, foi?”
O suspeito oficioso fixou o Delegado e corrigiu: “Antes de ser falecida.”
O Delegado abanou a cabeça: “Claro, antes de ser falecida. Mas molestou?”
“Não.”
O Delegado semicerrou as pálpebras fixando o suspeito, desviou o olhar para o tampo da secretária onde pousara as palmas das mãos abertas e, sem levantar os olhos, remoeu:
“A falecida quando ainda estava viva atacou-o sexualmente sem, todavia, o molestar, foi isso?”
“Foi.”
“E usou de violência?”
“Quem?”
O Delegado hesitou mas esclareceu: “Ela.”
“Não, foi apenas insistente. Demasiado insistente.”
“De tal forma que o Doutor considera que foi atacado.”
“Sim.”
O Delegado encaixou a resposta telegráfica sem disfarçar o enfado que lhe causavam as manhas do causídico que a todo o instante o tentava trapacear, expirou ruidosamente e contou os dedos espalmados em cima da secretária. Nove. Suspirou e, estudando o espaço que seria ocupado pelo mindinho esquerdo se o tivesse, decidiu saltar etapas.
Levantou as mãos da secretária, recostou-se na velha cadeira giratória de madeira que se ajustava ao seu volumoso corpo como um velho sobretudo, arrumou os braços sobre a barriga e perguntou docemente: “E o doutor, para se defender desse ataque inesperado e soes, matou-a?”
“Não.”
“Bem me parecia”, comentou o Delegado com ar subitamente divertido. “Mas ela concretizou o ataque?”
O causídico anuiu com a cabeça.
O Delegado Baleia continuou: “E o doutor consentiu ou foi forçado?”
“Consenti. Acabei por consentir.”
“E esse ataque teve lugar no dia do decesso?”
“Sim.”
“Na viatura?”
“Sim.”
“Em andamento?”
“Sim. A principio, sim.”
“O doutor imobilizou o veículo, foi?”
“Para nossa segurança.”
“A ela não lhe valeu de muito”, constatou o Delegado, com uma repentina gargalhada.
O ilustre causídico censurou-lhe o comentário e a gargalhada com um olhar mortífero mas não ripostou.
O Delegado parou de rir e perguntou: “E, afinal, em que é que se concretizou esse pretenso ataque?”
“A minha cliente disse-me, “Sabe, doutor”, e eu disse “Diga?” e ela virou-se para mim, pousando a sua mão esquerda na minha perna direita, afagou-a quase até à virilha e disse que gostava muito de mim, que sonhava comigo e que ansiava por me ter…”
“Assim de repente?”, interrompeu o Delegado, apertando o queixo entre o indicador e o polegar da mão direita.
“Sim, assim de repente.”
“Me desculpe. Me desculpe a interrupção. Continue… Ela ansiava por o ter?”
Os homens entreolharam-se em silêncio percebendo a duplicidade da pergunta. O Delegado ergueu contidamente as sobrancelhas mantendo a pergunta e o advogado respondeu:
“Foi o que ela disse. E depois continuou dizendo-me que, para além do patrão, nunca desejara um homem como me desejava a mim. E que tinha saudades minhas quando estávamos afastados. E nisto agarrou-me o meu órgão sexual e os meus testículos, de forma vibrante, apaixonada, quase desvairada.”
“E o doutor?”
“Eu fiquei surpreendido. Por uns momentos, nem tive reacção. Fui completamente apanhado de surpresa. Devo ter dito qualquer coisa mas só me lembro de sentir uma erecção e ficar envergonhado. Foi aí que decidi imobilizar o veículo. Ela já estava quase sobre mim, tentando abrir-me a braguilha e eu, ainda que não quisesse, estava a ter uma erecção.”
O Delegado ouvia com atenção, estudando com detalhe a fisionomia, os gestos e o tom do causídico. Este continuou:
“Assim, logo que pude, parei e tentei fazer parar a minha cliente.”
“Mas não conseguiu?”
“Pois não e a minha erecção excitava-a. Levava-a a crer que eu me estava apenas a fazer difícil. A tentar ser social e profissionalmente correcto mas que, no fundo, também a desejava.”
“Os advogados em Portugal não podem comer as clientes?” perguntou o Delegado de chofre, esquinando o sorriso.
“Claro que não”, empertigou-se o causídico.
“Nem praticar quota litis”, lançou o Delegado, mantendo o sorriso matreiro.
“O que tem isso a ver para o caso?”
“Nada”, reconheceu o Delegado. “Foi só uma outra coisa que eu me lembrei que os senhores advogados portugueses não podem fazer. Não é verdade que não podem estabelecer os honorários numa percentagem directa do ganho do cliente?”
O causídico cerrou os lábios e aceitou num murmúrio: “É.”
“E, no entanto, fazem-no.”
O advogado encolheu os ombros e coçou o pescoço com a unha do indicador direito, que acabou por enfiar no colarinho da camisa.
Os homens olharam para a ventoinha parada num canto do gabinete.
“Está quebrada, doutor”, explicou o Delegado, quando reparou no olhar do outro. “Estão esperando os aparelhos de ar condicionado e, enquanto isso, não há verba para consertar as ventoinhas que deixam de funcionar. Foi o que me disseram os colegas portugueses.”
“Pensava que era uma técnica”, disse o advogado.
“Uma técnica?”
“Uma técnica de interrogatório” explicou o advogado. “Pensei que pretendessem vencer-nos pelo calor.”
“Não. Parece que é falta de grana, mesmo.”
O causídico aproveitou a espécie de pausa surgida com a ventoinha e, disfarçadamente, viu as horas no seu relógio de pulso.
Atento, o Delegado deixou passar o gesto sub-reptício do interrogado como se não o tivesse visto e, voltando-se de novo para a ventoinha, disse:
“Mas não conseguiu…”
“O quê?”
“Pará-la”, explicitou o Delegado. “Apesar dos apelos da ética, não conseguiu parar ou demover a sua cliente.”
O advogado fixou o Delegado e manteve o olhar quando os olhos se cruzaram.
“Eu…”
“O doutor julga que eu acredito nessa patranha?”, interrompeu o Delegado, pousando os cotovelos na secretária.
As pálpebras do causídico afastaram-se, os lábios cerraram-se e os olhos chamejaram e acabaram por se fixar num ponto indefinido da camisa do inquiridor.
“Só não percebo” continuou o Delegado, pousando o queixo nos nós dos dedos da mão esquerda que envolvia a direita, “onde é que essa história nos levava ou como é que ela o ia beneficiar.”
Uma expressão de transtorno e aborrecimento perpassou momentaneamente na face do advogado, transformando-se depois numa expressão voluntária de dureza e melindre, que se verbalizou na declaração:
“O senhor acredita no que quiser.”
“O doutor quer-me fazer querer que a vitima estava apaixonada por si, que não se conteve e o atacou sexualmente de forma absolutamente juvenil?” contrapôs o Delegado.
“O senhor acredita no que quiser.”
“Isso é verdade mas o doutor quer ainda que eu creia que, não resistindo aos seus avanços, o doutor acabou por permitir que a vitima lhe fizesse sexo oral?”
“Eu não disse isso”, replicou o advogado.
“Ia dizer”, sentenciou o Delegado.
O advogado não desmentiu.
O Delegado continuou:
“E, por fim, o doutor quer que eu acredite que, depois desse fait-divers, a vitima limpou os cantos da boca ao lencinho de seda que trazia na mala, o doutor arrumou o seu bráulio, fechou a braguilha, ligou o automóvel e seguiram a viagem, que terminou exactamente como o doutor tem dito até aqui?... É isto?”
O causídico anuiu com a cabeça e completou:
“Basicamente, é. De forma ignóbil e rasteira, é. A…”
“Não é “a”, meu caro doutor”, interrompeu o Delegado. “É “e”. E então? E o que é que isso nos adianta? E o que é que isso altera?”
“Eu que eu quero dizer ao Delegado é que a minha posição tem sido sempre no sentido de resguardar a memória da minha constituinte. Que as eventuais falhas das minhas declarações resultam desta situação melindrosa e totalmente do foro privado que eu acabei de lhe descrever. E que, naturalmente, toda a minha conduta naquela noite, ou melhor, a partir dali, foi altamente condicionada por este episódio.”
“Ficou abalado.”
“Sim, claro. Claro que fiquei.”
“Estou a perceber.”
“Está a perceber o quê?” explodiu o advogado.
O Delegado Baleia riu-se para dentro, já não precisava de aditar o manhoso, untuoso e falacioso indivíduo que se mantinha à sua frente ao rol de interrogados supremos.
“E digo-lhe mais, doutor” adiantou o Delegado, pausadamente, ignorando a explosão do advogado. “Não só estou a perceber como já formei a minha opinião e já me julgo esclarecido, pelo que podemos dar por terminado este encontro informal pois…”
“Acabou?”, perguntou o causídico.
“Sim, acabou”, confirmou o Delegado.
“Eu vou fazer como foi acordado”, avisou o causídico, levantando-se. O Delegado fez uma careta de incompreensão. O causídico, em pé, explicou: “Vou tornar pública esta diligência.”
“Ah! Sim, naturalmente, as condições acordadas mantêm-se, senhor doutor. Se acha que isso o favorece.”
“E a policia brasileira confirma o encontro e a minha integral e incondicional disponibilidade mas não dá detalhes.”
“Foi o acordado.”
O causídico sorriu e estendeu a mão ao Delegado, que, sem se levantar, a apertou.
“Tive muito prazer, Delegado Baleia. E deixe-me que lhe diga que o que dizem de si é inteiramente verdade: o senhor é grande.”
“Obrigado.” O Delegado agradeceu como se tivesse sido elogiado, largou a mão do advogado, apontou de mão estendida para a porta e ordenou: “Faça-me o favor, doutor, pode sair. É que eu vou já iniciar os termos para a carta rogatória que vamos enviar para cá para o seu interrogatório formal. Passar bem. Ah... E o prazer foi todo seu, doutor. Todo.”

Bosque erótico

A São Patrício está sempre atenta a tudo o que há de bom.
Desta vez sugere irmos visitar, num Encontra-a-Funda, o bosque de Can Ginebreda, no interior da Catalunha (Espanha), todo semeadinho de esculturas em pedra e metal de Xicu Cabanyes.
Aqui vos deixo alguns exemplos, só para fazer coceguinhas nas partes baixas:






Há um artigo de 3 páginas interessantíssimo sobre este parque, em inglês, aqui.

Cubo Mágico

Mas, diz-me, se com uma mão eu segurar a lógica e com a outra segurar a razão, com que mão te hei-de segurar?

Esta é a verdade que guardo em mim, eu só tenho duas mãos; agarro-te nas palavras e não te sei puxar. Poderia escrever-te infinitas linhas, recordar-te todos os passos do Universo e explicar-te todas as realidades que não são únicas, poderia dizer-te que tudo já foi dito, tudo já foi marcado, posso recompor-te a lógica e a razão em pequenas decepções, poderia desenhar-te o tempo irremediavelmente escondido dentro do cubo mágico; mas até as linhas se enrolam, até as realidades falam, até as palavras inventam, até a lógica e a razão sabem o teu nome, até o cubo tem várias cores, por isso não utilizarei mais metáforas, afinal nem sei porque as chamei aqui; digo-te apenas: - usa as tuas - e espero que entendas, consciente do significado de todas as coisas, que é contigo que falo.

E mais cartazes de cinema erótico espanhol dos anos 70

E ainda mais cartazes. Repare-se nas partes censuradas, ou na própria imagem ou por sobreposição de avisos agrafados.






14 outubro 2010

Erótica

Paraíso

O Paraíso é melhor saboreado
de olhos fechados
Cheira a flor
Sabe a suor
Macio ao tacto
Peles em contacto
Brisa quente
corpo ardente
Gemido agudo
grito mudo
Fricção violenta
onda que rebenta
O Paraíso é melhor saboreado
de corpos emaranhados

Doce parceira de prazer sem fim
Este Paraíso somos nós quem o faz
Tu furando-me por cima de mim
Eu varando-te por trás.

Postalinho do Fin

Carta ao Viajante (III)

Vim aqui para te adormecer, se falamos é como se nos t(r)ocássemos; tu acordas-me (durmo demais), eu adormeço-te (nunca dormes). Eu leio-te sempre, não o sabias? Tu que falas no meu tom cantado, tu que pontuas com a minha emoção, a ti - não cedi o beijo - beijo todos os dias.

Não te posso curar, queres cegar (o que é aprender o desprendimento senão uma lição de cegueira?) e eu caminho para tocar nos pássaros cegos, os meus dedos nas penas até que me doam e mais ainda. Dormi contigo ontem, beijei-te e sonhei acordada.

Não te vejo e gosto de ti, não estou e caminho a teu lado; gosto da tua viagem e da nossa, Viajante. Um dia, um destes dias, ainda viajarei para ti, serás o cais antes de partirmos separados; nesse dia, porém, já não poderei dizer que te vou conhecer; a nossa viagem a dois já soma incontáveis dias e infinitas linhas das nossas entrelinhas.