03 novembro 2010

Vendedoras de virtudes

Há muitos anos atrás, teria eu talvez 18 ou 19 anos, dirigia-me a pé em direcção à Costa do Castelo, com auriculares, ouvindo a minha música. É possível que fosse Pink Floyd. Ao passar na João das Regras (perto da Praça da Figueira) apercebo-me de uma mulher que me dirige a palavra. Estava encostada a uma porta. Ainda dei meia dúzia de passos em frente enquanto tentava perceber se era mesmo alguém a falar comigo, e se devia dar-lhe atenção. Decidi recuar. Tirando os auriculares perguntei à senhora: “Desculpe, falou comigo?”, e ela disse qualquer coisa que eu não percebi. Retorqui: “Como?”, e eis que entendi, finalmente, o que ela me estava a dizer “Jovem, não queres ir ali ao Hotel dar uma voltinha?”. Disse-lhe que não, que estava a fazer a digestão, e segui em direcção à Costa do Castelo, incrédulo.

Aurora Poema

Aurora
se tocas nas estrelas
sempre que me olhas
dizes-me quantas são?
Levas de mim toda a emoção
e os sonhos de frases amputadas
já não são poemas,
Aurora,
mas quando os levas
nas tuas palmas
dizes-me que não
e levas-me e trazes-me a solidão
mas se tuas lágrimas são abelhas
sempre que me deixas,
Aurora,
são estrelas do coração.

Que posso fazer, então,
senão deixar-me matar
para que possas estrelas contar;
diz-me, ao menos, quantas são?

Serenata de Emoções Descoordenadas

Senhora poeta de paixão nos dedos, que encontraste o menino grande que guarda segredos, somos seres elevados narradores de espaços.

A serenata não foi feita, mas dançámo-la ritmados. Alimentei-te de mim - de solos sagrados.
Desafio-te na escrita. Enervo-te nas letras. Envolvo-te nos braços.
Agrado-te como me fazes nos teus abraços.

Achaste aquilo que me mostrei? Sentiste ao aninhares-te no que te dei?
Recorda o espírito que falou ao anoitecer. Aquele que tanto gostaste. Aquele que o fez com prazer.

Dá-me letras - eu devolvo-te metáforas e pensamentos confusos, que depressa aprendeste a decifrar. Dou-te frases incompletas, dás-me palavras e opiniões repletas, refilas e voltas à doçura e à ternura.

No som que ouço até hoje, faltam notas que deves completar.
E na tua música? Faltam palavras, desfiles de vaidade que eu possa juntar?

O que vale mais? Mulher ou bacon?


Ser ateu, você perde a vida eterna no céu, ein!

Capinaremos

02 novembro 2010

«Sinto um alívio imenso» por Bartolomeu

"Sinto um alívio imenso
Uma sensação intensa
Prazer de puro incesto
Quando ao pegar-lhe e ela tesa
Sugere que lhe faça o que penso
Responde ao meu toque, presa
A uma rede complexa, cerebral
Pede-me que pense na Teresa
E naquela tarde, os dois no areal
Nos corpos juntos ardendo numa pressa
Nos sons loucos daquele terno madrigal
Como autómato executo a sua ordem
Mentalmente desfaço o que já foi feito
E sem nunca pensar nos que me fodem
Vou massajando o sardo com todo o jeito
Até que do seu corpo, alvos leites explodem
E assim me deixo adormecer em suave leito"

Bartolomeu

Será que me despeço de ti todos os dias?



Será que me despeço de ti todos os dias? Será que cada passo forçado e sofrido a teu lado me leva para longe, para esse sítio onde nos enredamos e perdemos e cegamos e sangramos e gelamos, onde finalmente morremos de desamor?
Como parar? Como mudar de direcção? Como olhar-te com olhos claros e corpo nu e mãos abertas e boca voluntariosa? Como varrer da memória a tua mentira? Como olhar para ti e não ver um monstro feio navegando em ondas de volúpia com uma harpia com quem só me zango porque tu não chegas sequer para tanta mágoa?
Como? Como segurar na minha mão o teu sexo duro, como sentar-me em ti, enterrar-te em mim, vir-me, fazer-te vir, se a tua boca quis outra, se o teu corpo deixou o meu em casa para se peder noutro, se voltaste como se nada se tivesse passado e mentiste como se eu não fosse quem sou?
Por isso, é como se me despedisse de ti a cada instante. Como se cada momento passado contigo mais não fosse do que mais um aceno, mais um copo, o prolongar do instante derradeiro e incontornável.


Medeia - [Infidelidades]

Asfixiante

Voltas, voltas e mais voltas.
Sou eu que me revolto
ou as palavras
se voltam sobre mim?

Volto. E volto. Volto.
Não se sobrevive,
voltando;
não se consegue respirar
em voltas, voltas
e mais voltas.

Asfixiante - no mínimo -
este voltar que sem voltar,
volta e volta,
numa revolta de adeus.

Poesia de Paula Raposo

Porque o cancro da mama é fodido.

Bangbabes Boob Hijack from Coppafeel on Vimeo.

01 novembro 2010

Quanto mais conheço as pessoas...

... mais gosto de as conhecer.
Não me interpretem mal, continuo a gostar tanto de bicharada que estou, neste momento, rodeada de gatos por todos os lados menos por um (justamente o teclado do computador, pelo menos até que o Sebastião resolva fazer uma das suas incursões). Mas não posso, com honestidade, dizer que prefiro os bichos às pessoas.
Gosto de animais domésticos enquanto animais e de gente porque é gente. E se não confundirmos as coisas, é possível encontrar animalidade nos seres humanos e uma certa humanidade nos bichos, talvez por transferência, por proximidade, sei lá bem.
Mas gosto do que as pessoas me dão. Dos encontros que me proporcionam. De palavras que me dirigem. Dos desafios que me colocam. Gosto dos universos que se escondem, revelando-se, por detrás de cada gesto, de cada olhar, de cada discurso, de cada silêncio, de cada projecto.
Nunca consegui, e apesar dos pesares que trinta e sete anos trazem, inevitavelmente, deixar de acreditar no ser humano. Ou em alguns, pelo menos. Logo, em todos, por princípio.

Calhandrice em dia de Pica-Bois

Diz-me, quando estás ausente, nos longos fins de semana que não te sinto as palavras, também não me sentes? Não recordas? Terás a vontade de guardar em memórias presentes aquilo que nos sinto?
A tina de água com bolhas que ilustra o código do nosso estar, o champanhe que alude àquela música de quem já cá não mora, o cigarro atrevido e isolado à porta do palácio do prazer, ou até as expressões que me mostras, iluminam-te no teu seguir viagem diário, ou apenas nos é familiar quando trocamos sensações escritas vertidas pela memória do que foi?
E foi?
Ou apenas aconteceu, sem acontecer-te? As marcas que me sentes nas palavras codificadas ainda que públicas, reflectem a paixão de um coração inabordável que dura mas não perdura.
E a ti?
A intensidade dessa paixão é proporcional às paredes que são erigidas - eventualmente por mim.

Sem explosivos!


Árabe pacífica enviada pelo Carlos Car(v)alho

O amor é cego


Alexandre Affonso - nadaver.com