23 janeiro 2018

«procura» - Susana Duarte

procura.
trago-te em mim, como trago as nódoas das outras vidas
e as partidas todas, de todos os portos do mundo. revejo-te,
como a uma mirabolante caminhada sobre as traves de madeira dos ossos,
e neles inscrevo a tua presença,
anónima, arqueada e inocente. trago-te em mim, todas as noites,
aceso como as luzes e os sons que já povoaram a terra, castanha e húmida como as nozes da existência feminina. és, de todos os motivos, o mais perecível,
e o mais eterno, como as maçãs
perpetuadas numa tela. as maçãs, são os seios que seguras
na linha que antecede a noite, e o perímetro dos sonhos
onde encontrarás, de novo, a realidade e o ser. perdes-te, tragicamente,
onde se agitam as nuvens. a nesga de céu que abominas
é a mesma onde me passeio, despida, sôfrega de sol e de vento,
aurora desfolhada de todas as luas que me nascem dentro. e permaneces cera,
e permaneces voo antecipado, Ícaro naufragado com a força das asas sepultas.

procura. serás a mão que antecipa as marés.

Susana Duarte
Blog Terra de Encanto
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Conta! Conta! Conta!...


Preferem ouvir da boca dos outros coisas fantasiosas a meu respeito quando contadas por mim são muito mais escabrosas e sumarentas.

Sharkinho
@sharkinho no Twitter

Senhoras e senhores, apresento-vos... o início d'a funda São!

Baú que estava escondido e fechado a cadeado, entre 1960 e 1980, contendo revistas e livros clássicos de literatura erótica.
O professor Rogério, de Caria, tinha alguns livros clássicos de literatura erótica («Emmanuelle», «História d´O», «Fanny Hill», «Memórias de uma cantora alemã», «O último tango em Paris», etc.) e revistas eróticas («Playboy» brasileira e norte-americana, «Penthouse», a francesa «Lui», etc.). Para manter esta literatura fora do alcance dos seus dois filhos menores, tinha tudo guardado neste baú metálico, castanho, fechado com um pequeno cadeado. O seu filho mais novo, depois de ter descoberto o baú, passou vários domingos, à hora de todos saírem para a missa, a limar uma pequena chave, com uma lima das unhas, que entrava no cadeado mas não o abria... até que, passados 4 ou 5 domingos, conseguiu abrir o baú do tesouro. A maioria desses livros e revistas fazem parte do espólio da colecção de arte erótica «a funda São». E pode dizer-se que este baú é o início da colecção. Bem haja, professor Rogério!









A colecção de arte erótica «a funda São» tem:
> 1.900 livros das temáticas do erotismo e da sexualidade, desde o ano de 1664 até aos nossos dias;
> 4.000 objectos diversos (quadros a óleo e acrílico, desenhos originais, gravuras, jogos, mecanismos e segredos, brinquedos, publicidade, artesanato, peças de design, selos, moedas, postais, calendários, antiguidades, estatuetas em diversos materiais e de diversas proveniências, etc.);
> muitas ideias para actividades complementares, loja e merchandising...

... procura parceiro [M/F]

Quem quiser investir neste projecto, pode contactar-me.

Visita a página da colecção no Facebook (e, já agora, também a minha página pessoal)

21 janeiro 2018

«pensamentos catatónicos (346)» - bagaço amarelo

Não estou apaixonado por ninguém. Não há nenhuma mulher especial na minha vida, se eu esquecer o facto que são todas especiais e de que a amizade também o pode ser. Não há nada de anormal nem de preocupante nisso, tirando o pormenor de que é a primeira vez que me acontece, apesar de ter quase quarenta e cinco anos de vida.
É uma experiência nova, portanto. Às vezes sinto-me mais livre do que nunca, outras vezes sinto falta dum abraço mais íntimo. É isso que sinto, de forma suave, nos dias que correm, mas sempre sem o desejo de voltar a apaixonar-me no segundo seguinte. Para meu conforto, vou acreditando que talvez um dia isso aconteça.
Houve uma excepção, ainda que ténue. Acho eu, pelo menos. Caminhámos pela cidade e bebemos vinho, contámo-nos um ao outro e trocámos olhares, abraçámo-nos e atravessámos passadeiras com o sinal vermelho para peões. Imaginei-me a viver com ela e a fazer isso mais vezes, atravessar no sinal vermelho em passo apressado e rir-me disso com alguma cumplicidade. Foi a única vez. Foi só imaginação.
De resto foi tudo em esforço. Ou quase. Acho eu, pelo menos. Tirando aquela vez em que falámos de comediantes e eu disse que não percebia como é que um homem pode exercer essa profissão todos os dias. E quando está triste? Perguntei. E se a mulher o deixou nessa manhã e ele tem que ir para a rádio contar piadas? Perguntei de novo. E ela encolheu os ombros. Depois bebemos vinho e adormecemos juntos. Quando acordámos não ficámos felizes por estarmos perto um do outro. Nem eu, nem ela. E eu despedi-me.
Às vezes caminho pela rua sozinho, de preferência em locais movimentados. Vou-me desviando dos outros com a perfeita consciência que eles são isso mesmo: outros. Foi o que fiz hoje. Lembro-me de um casal de estrangeiros que me perguntou a localização de um hostel, de um rapaz que passou por mim de skate a cantar uma música sem sentido, de uma mulher que me sorriu na porta de uma pastelaria e do padeiro que me disse para esperar pelo pão quente.
Depois sentei-me na estação de comboios, apesar de não estar a pensar apanhar nenhum. Lembrei-me de uma mulher, um Amor antigo numa situação específica. Ela a pedir-me para abrir uma garrafa de vinho, eu a encher-lhe o copo e ela a desaparecer pela porta da cozinha. Vai dar uma volta, disse. Não me apetece estar com ninguém por um bocado, insistiu. O ninguém era eu, até porque toda a gente naquela casa também era eu.
Esforçarmo-nos por nos apaixonarmos é um acto estúpido e inconsequente. A paixão nunca vem por esforço. Vem porque lhe apetece, seja amanhã ou daqui a cinco anos. Vem no dia em que eu tornar a atravessar na passadeira com o sinal vermelho, rir-me disso e no dia seguinte gostarmos de acordar juntos. Talvez nessa noite ela me peça para abrir uma garrafa de vinho e não saia da cozinha.
Até lá, apesar de não ter público, vou tentar ser comediante todos os dias.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Adivinha


Os míticos anos 80 trouxeram aos palcos e ecrãs portugueses quatro beldades de corpo ondulante, em requebros de corpo ao ritmo da música que lhes bailava na língua, usando trajes estrategicamente abertos na febra que antes se vedava aos olhares.
Para reforço da imagem e da memória futura entranhavam-nos pelos ouvidos adentro sons quase guturais como oqueioquei põe-mequêó, alibábá bábábali, édemais, vemcomumadamanhã hei bembom, quentequentequente, dóidói, dou-ce dou-ce, insistindo numa riqueza de imagens desde a chuva a cair até à chuva a cair lá fora, em contraponto à calidez do corpo, da cama, do chão, dos lençóis e até da colcha de lã para rimar com amanhã de manhã, passando ao mesmo tempo mensagens tão diversificadas como vem com duas da manhã, vem com quatro da manhã, vem ficar acordado, vem deitar-te a meu lado.




Faltou-lhe uma consoante


Esta estava a fazer-se a mim há duas horas mas eu não dei conta. Já ela deu cona.

Patife
@FF_Patife no Twitter