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15 novembro 2012

Maria de Magdala




(…) Com tantos movimentos e observações, acabou Maria de Magdala de fazer o penso ao dorido pé de Jesus, rematando-o com uma sólida e pertinente atadura, Aí tens, disse ela, Como te devo agradecer, perguntou Jesus, e pela primeira vez os seus olhos tocaram os olhos dela, negros, brilhantes como carvões de pedra, mas onde perpassava, como uma água que sobre água corresse, uma espécie de voluptuosa velatura que atingiu em cheio o corpo secreto de Jesus. A mulher não respondeu logo, olhava-o, por sua vez, como se o avaliasse, a pessoa que era, que de dinheiros bem se via que não estava provido o pobre moço, e por fim disse, Guarda-me na tua lembrança, nada mais, e Jesus, Não esquecerei a tua bondade, e depois, enchendo-se de ânimo, Nem te esquecerei a ti, Porquê, sorriu a mulher, Porque és bela, Não me conheceste no tempo da minha beleza, Conheço-te na beleza desta hora. O sorriso dela esmoreceu, extinguiu-se, Sabes quem sou, o que faço, de que vivo, Sei, Não tiveste mais que olhar para mim e ficaste a saber tudo, Não sei nada, Que sou prostituta, Isso sei, Que me deito com homens por dinheiro, Sim, Então é o que eu digo, sabes tudo de mim, Sei só isso. A mulher sentou-se junto dele, passou-lhe suavemente a mão pela cabeça, tocou-lhe na boca com a ponta dos dedos, Se queres agradecer-me, fica este dia comigo, Não posso, Porquê, Não tenho com que pagar-te, Grande novidade, Não te rias de mim, Talvez não creias, mas olha que mais facilmente me riria de um homem com a bolsa cheia, Não é só a questão do dinheiro, Que é, então. Jesus calou-se e voltou a cara para o lado. Ela não o ajudou, podia ter-lhe perguntado, És virgem, mas deixou-se ficar calada, à espera. Fez-se silêncio, tão denso e profundo que parecia que apenas os dois corações soavam, mais forte e rápido o dele, o dela inquieto com a sua própria agitação. Jesus disse, Os teus cabelos são como um rebanho de cabras descendo das vertentes pelas montanhas de Galaad. A mulher sorriu e ficou calada. Depois Jesus disse, Os teus olhos são como as fontes de Hesebon, junto à porta de Bat-Rabim. A mulher sorriu de novo, mas não falou. Então Jesus voltou lentamente o rosto para ela e disse, Não conheço mulher. Maria segurou-lhe as mãos, Assim temos de começar todos, homens que não conheciam mulher, mulheres que não conheciam homem, um dia o que sabia ensinou, o que não sabia aprendeu, Queres tu ensinar-me, Para que tenhas de agradecer-me outra vez, Dessa maneira, nunca acabarei de agradecer-te, E eu nunca acabarei de ensinar-te. Maria levantou-se, foi trancar a porta do pátio, mas primeiro dependurou qualquer coisa do lado de fora, sinal que seria de entendimento, para os clientes que viessem por ela, de que se havia cerrado a sua fresta porque chegara a hora de cantar, Levanta-te, vento do norte, vem tu, vento do meio-dia, sopra no meu jardim para que se espalhem os seus aromas, entre o meu amado no seu jardim e coma dos seus deliciosos frutos. Depois, juntos, Jesus amparado, como fizera antes, ao ombro de Maria, esta prostituta de Magdala que o curou e o vai receber na sua cama, entraram em casa, na penumbra propícia de um quarto fresco e limpo. A cama não é aquela rústica esteira estendida no chão, com um lençol pardo lançado por cima, que Jesus viu sempre em casa dos pais enquanto lá viveu, esta é um verdadeiro leito como o outro de que alguém disse, Adornei a minha cama com cobertas, com colchas bordadas de linho do Egipto, perfumei o meu leito com mirra, aloés e cinamomo. Maria de Magdala conduziu Jesus até junto do forno, onde o chão era de ladrilhos de tijolo, e ali, recusando o auxílio dele, por suas mãos o despiu e lavou, às vezes tocando-lhe o corpo, aqui e aqui, e aqui, com as pontas dos dedos, beijando-o de leve no peito e nas ancas, de um lado e do outro. Estes roces delicados faziam estremecer Jesus, as unhas da mulher arrepiavam-no quando lhe percorriam a pele, Não tenhas medo, disse Maria de Magdala. Enxugou-o e levou-o pela mão até à cama, Deita-te, eu volto já. Fez correr um pano numa corda, novos rumores de águas se ouviram, depois uma pausa, o ar de repente tornou-se perfumado e Maria de Magdala apareceu, nua. Nu estava também Jesus, como ela o deixara, o rapaz pensou que assim é que devia estar certo, tapar o corpo que ela descobrira teria sido como uma ofensa. Maria parou ao lado da cama, olhou-o com uma expressão que era, ao mesmo tempo, ardente e suave, e disse, És belo, mas para seres perfeito, tens de abrir os olhos. Hesitando, Jesus abriu-os, imediatamente os fechou, deslumbrado, tornou a abri-los e nesse instante soube o que em verdade queriam dizer aquelas palavras do rei Salomão, As curvas dos teus quadris são como jóias, o teu umbigo é uma taça arredondada, cheia de vinho perfumado, o teu ventre é um monte de trigo cercado de lírios, os teus dois seios são como dois filhinhos gémeos de uma gazela, mas soube-o ainda melhor, e definitivamente, quando Maria se deitou ao lado dele, e, tomando-lhe as mãos, puxando-as para si, as fez passar, lentamente, por todo o seu corpo, os cabelos e o rosto, o pescoço, os ombros, os seios, que docemente comprimiu, o ventre, o umbigo, o púbis, onde se demorou, a enredar e a desenredar os dedos, o redondo das coxas macias, e, enquanto isto fazia, ia dizendo em voz baixa, quase num sussurro, Aprende, aprende o meu corpo. Jesus olhava as suas próprias mãos, que Maria segurava, e desejava tê-las soltas para que pudessem ir buscar, livres, cada uma daquelas partes, mas ela continuava, uma vez mais, outra ainda, e dizia, Aprende o meu corpo, aprende o meu corpo.. Jesus respirava precipitadamente, mas houve um momento em que pareceu sufocar, e isso foi quando as mãos dela, a esquerda colocada sobre a testa, a direita sobre os tornozelos, principiaram uma lenta carícia, na direcção uma da outra, ambas atraídas ao mesmo ponto central, onde, quando chegadas, não se detiveram mais do que um instante, para regressarem com a mesma lentidão ao ponto de partida, donde recomeçaram o movimento. Não aprendeste nada, vai-te, dissera Pastor, e quiçá quisesse dizer que ele não aprendera a defender a vida. Agora Maria de Magdala ensinara-lhe, Aprende o meu corpo, e repetia, mas doutra maneira, mudando-lhe uma palavra, Aprende o teu corpo, e ele aí o tinha, o seu corpo, tenso, duro, erecto, e sobre ele estava, nua e magnífica, Maria de Magdala, que dizia, Calma, não te preocupes, não te movas, deixa que eu trate de ti, então sentiu que uma parte do seu corpo, essa, se sumira no corpo dela, que um anel de fogo o rodeava, indo e vindo, que um estremecimento o sacudia por dentro, como um peixe agitando-se, e que de súbito se escapava gritando, impossível, não pode ser, os peixes não gritam, ele, sim, era ele quem gritava, ao mesmo tempo que Maria, gemendo, deixava descair o seu corpo sobre o dele, indo beber-lhe da boca o grito, num sôfrego e ansioso beijo que desencadeou no corpo de Jesus um segundo e interminável frémito. Durante todo o dia, ninguém veio bater à porta de Maria de Magdala. Durante todo o dia, Maria de Magdala serviu e ensinou o rapaz de Nazaré que, não a conhecendo nem de bem nem de mal, lhe viera pedir que o aliviasse das dores e curasse das chagas que, mas isso não o sabia ela, tinham nascido doutro encontro, no deserto, com Deus. Deus dissera a Jesus, A partir de hoje pertences-me pelo sangue, o Demónio, se o era, desprezarão, Não aprendeste nada, vai-te, e Maria de Magdala, com os seios escorrendo suor, os cabelos soltos que parecem deitar fumo, a boca túmida, olhos como de água negra, Não te prenderás a mim pelo que te ensinei, mas fica comigo esta noite. E Jesus, sobre ela, respondeu, O que me ensinas, não é prisão, é liberdade. Dormiram juntos, mas não apenas nessa noite. (...)

O Evangelho Segundo Jesus Cristo, de José Saramago

blog A Pérola

08 novembro 2012

Vamos foder, querido amor

Paul-Émile Bécat (1885-1960)

"Vamos foder, querido amor; p'ra dentro e p'ra fora,
Pois temos a obrigação de foder por termos nascido,
E tal como eu anseio por cona, tu anelas por corno,
Porque, sem isso, o mundo não faria sentido.

Se depois da morte fosse decente ser possuído,
Eu diria: Vamos foder, vamos foder até morrer;
Uma vez lá, todos foderemos - tu, Adão, Eva, e eu -
Pois eles inventaram a morte e pensaram-na má.

É verdade que mesmo que aqueles dois primeiros ladrões
Nunca tivessem comido aquele fruto pérfido,
Nós ainda saberiamos como foder (mas não usar folhas).

Mas agora deixemo-nos de conversas; apontemos e disparemos
A picha direita ao coração, e façamos com que a alma
Seja arrebatada ao morrer em uníssono com a verga.

E poderia o vosso grande buraco
Receber como testemunhas estas bóias oscilantes
Para uma interna declaração das nossas alegrias ?"

Pietro Aretino (1492-1556), Sonetti Lussuriosi 9 (1525)


Talvez Foder by Pedro Abrunhosa on Grooveshark blog A Pérola

01 novembro 2012

A cópula

Depois de lhe beijar meticulosamente
o cu, que é uma pimenta, a boceta, que é um doce,
o moço exibe à moça a bagagem que trouxe:
colhões e membro, um membro enorme e turgescente.

Ela toma-o na boca e morde-o. Incontinenti,
Não pode ele conter-se, e, de um jacto, esporrou-se.
Não desarmou porém. Antes, mais rijo, alteou-se
E fodeu-a. Ela geme, ela peida, ela sente

Que vai morrer: - "Eu morro! Ai, não queres que eu morra?!"
Grita para o rapaz que aceso como um diabo,
arde em cio e tesão na amorosa gangorra

E titilando-a nos mamilos e no rabo
(que depois irá ter sua ração de porra),
lhe enfia cona adentro o mangalho até o cabo.


Manuel Bandeira (1886-1968)



























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25 outubro 2012

O que se passa na cama

(O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)
É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
elaborado na terra
e tão fora deste mundo
que o corpo, encontrando o corpo
e por ele navegando,
atinge a paz de outro horto,
noutro mundo: paz de morto,
nirvana, sono do pénis.

Ai, cama canção de cuna,
dorme, menina, nanana,
dorme onça suçuarana,
dorme cândida vagina,
dorme a última sirena
ou a penúltima… O pénis
dorme, puma, americana
fera exausta. Dorme, fulva
grinalda de tua vulva.

E silenciem os que amam,
entre lençol e cortina
ainda húmidos de sémen,
estes segredos de cama.


Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)


Brigitte Bardot e Jean-Louis Trintignant em E Deus Criou a Mulher, de Roger Vadim, 1956


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18 outubro 2012

A rainha careca

De cabeleira farta
De rígidas ombreiras
De elegante beca
Ula era casta
Porque de passarinha
Era careca.
À noite alisava
O monte lisinho
Co’a lupa procurava
Um tênue fiozinho
Que há tempos avistara.
Ó céus! Exclamava.
Por que me fizeram
Tão farta de cabelos
Tão careca nos meios?
E chorava.
Um dia...
Passou pelo reino
Um biscate peludo
Vendendo venenos.
(Uma gota aguda
Pode ser remédio
Pra uma passarinha
De rainha.)
Convocado ao palácio
Ula fez com que entrasse
No seu quarto.
Não tema, cavalheiro,
Disse-lhe a rainha
Quero apenas pentelhos
Pra minha passarinha.
Ó Senhora! O biscate exclamou.
É pra agora!
E arrancou do próprio peito
Os pelos
E com saliva de ósculos
Colou-os
Concomitante penetrando-lhe os meios.
UI!UI!UI! gemeu Ula
De felicidade.
Cabeluda ou não
Rainha ou prostituta
Hei de ficar contigo
A vida toda!
Evidente que aos poucos
Despregou-se o tufo todo.
Mas isso o que importa?
Feliz, mui contentinha
A Rainha Ula já não chora.

Moral da estória:
se o problema é relevante,
apela pro primeiro passante.

Hilda Hilst (1930-2004)

Howard Schatz
























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14 outubro 2012

Tango

"Quiero música, maestro, se lo pido por favor, que esta noche estoy de Tangos!"



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11 outubro 2012

Antecipação

Entreabro as minhas
coxas
no início dos teus beijos

imagino as tuas
pernas
guiadas pelo desejo

oiço o teu
gemido
calado pelos meus dentes

imagino a tua boca
rasgada
sobre o meu ventre


Maria Teresa Horta in As Palavras do Corpo

























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04 outubro 2012

Nádegas

Entre as duas nádegas
o pávido sulco
tem aroma de áfricas 

e de uvas de outubro

Dirias que fora
um silvo de morte 

a penetrar toda
a nocturna flora
até hoje intacta
que ainda aí tinhas

Respira
Não fales
Murmura
Não grites

Que travo
de amoras
Que túnel escuro
Que paz no que sofres
por mais uns minutos

o pescoço vergas 

submissa e frágil
tal o de uma
égua 
que vai beber
água
mas encontra a
lua 


E junto da cama
a rosa viúva
com lágrimas brancas
já pede os meus dedos
sacudido apoio
para a viuvez
em que a deixo hoje

Muito mais a
norte 
os queixumes
calas
E nem gemes
Gozas
enquanto te invade
o suco da vara 

vertido no sulco
Vê como foi fácil
Respira mais
fundo.


David Mourão-Ferreira























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27 setembro 2012

Red Hot


(Blood Sugar Sex Magik - 1992)


Yeah, oh yeah
Yeah, oh yeah
Hit me

Should have been, could have been
Would have been dead
If I didn't get a message
Goin' thru' my head
I am what I am
Most motherfuckers
Don't give a damn
Aw baby think you can
Be my girl, I'll be your man

Someone full of fun
Do me 'till I'm well done
Little Bo peep
Cumin' from my stun gun
Beware... take care
Most motherfuckers
Have a cold ass stare
Aw baby please be there
Suck my kiss cut me my share

Hit me you can't hurt me
Suck my kiss
Kiss me please pervert me
Stick with this
Is she talking dirty
Give to me sweet sacred bliss
Your mouth was made to suck my kiss

Look at me can't you see
All I really want to be
Is free from a world
That hurts me
I need relief
Do you want me girl
To be your thief
Aw baby just for you
I'd steal anything that you want me to

K - I - S - S - I - N - G
Chicka chicka dee
Do me like a banshee
Low brow is how
Swimming in the sound
Of bow wow wow
Aw baby do me now
Do me here I do allow

Hit me you can't hurt me
Suck my kiss
Kiss me please pervert me
Stick with this
Is she gonna curtsy?
Give to me sweet sacred bliss
That mouth was made to...

Should have been, could have been
Would have been dead
If I didn't get the message
Goin' thru my head
I am what I am
Most motherfuckers
Don't give a damn
Aw baby think you can
Be my girl, I'll be your man

Someone full of fun
Do me 'till I'm well done
Little Bo peep
Cummin' from my stun gun
Beware... take care
Most motherfuckers
Have a cold ass stare
Aw baby please be there
Suck my kiss cut me my share

Hit me you can't hurt me
Suck my kiss
Kiss me please pervert me
Stick with this
Is she talking dirty
Give to me sweet sacred bliss
That mouth was made to suck my kiss

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20 setembro 2012

O Sem Asas e O Alado

"a coisa sem asas
do homem..."

e. e. cummings

Edward Lucie-Smith, 1997



A maioria dos homens usa os caralhos
para duas coisas apenas fazer:
de pé estão para mijar
e deitados para foder.
O mundo está cheio de homens horizontais -
ou verticais -
e na verdade é tudo o mesmo mal.

Mas o teu caralho voa
por cima da terra,
fazendo sombras
nos corpos das mulheres,
fazendo sons loucos de ave
das suas bocas pequeninas,
fazendo música
e comida para o pensamento.
Não é uma coisa sem asas
de todo.

Podíamos chamar-lhe Pégaso -
se isso não nos fizesse pensar
em estações de serviço.
Ou podíamos chamar-lhe Ícaro -
se isso não nos fizesse pensar
em cair.

Mas, mesmo asim, desce e mergulha
através do céu como um planador,
à procura de um prado,
de um campo,
de um pântano batido pelo sol
de onde (disseste bem)
toda a vida começa.'

Erica Jong


blog A Pérola

13 setembro 2012

Eu vi uma pentelheira

Eu vi uma pentelheira
No corpo daquela dona
Que quase caí pra trás
Era pentelho de ruma
Que não acabava mais
Era uma mata profunda
Que começava no imbigo
E terminava na bunda.

Pra descobrir o priquito
Por detrás daquela mata
Fiz um esforço tão grande
O coração quase me mata
Os pentelhos da mulher
Era uma mata de cipó
Tudo muito emaranhado
Cheio de trança e de nó.

Me fiz de bom caçador
Na frente do cipoal
E rompi aquela mata
Com a força do meu pau.

Chico Doido de Caicó (1922-1991)


Demi Moore
´























blog A Pérola

06 setembro 2012

Sobre mim cavalgas

Sobre mim cavalgas
cingindo-me os flancos 

Colhes à passagem
a luz do instante

De dentes cerrados
ondulas, avanças, 

retesas os braços,
comprimes as ancas.

Depois para a
frente 

inclinas-te olhando
o que entre dois ventres
ocorre entretanto,
e o próprio galope
em que vais lançada
Que lua te empolga
Que sol te embriaga

Lua e sol tu és 

enquanto cavalgas 

amazona e égua 

de espora cravada
no centro do corpo

Centauresa alada 

com os seios soltos
como feitos de água.

Queria bebê-los 

quando mais te dobras
Os cabelos esses 

sorvê-los agora

Mas de cada vez
que o rosto aproximas 

já é outra a sede
que me queima a língua:
A de nos teus olhos 

tão perto dos meus
descobrir o modo 

de beber o céu.

David Mourão-Ferreira

Pierre Jousson, Erotiques, 1968


blog A Pérola

02 setembro 2012

"Ó lobo, já vens?"

Recordo-me, em miúda, de jogar à apanhada, e cantarolar com os outros: "Caminhando pela floresta, enquanto o lobo não vem. Ó lobo já vens?"
Naquela altura, desconhecia o valor polissémico do verbo vir...



blog A Pérola

30 agosto 2012

Gata em telhado...


Gabriela, telenovela da Rede Globo, de 1975
(adaptação televisiva do romance Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado)

blog A Pérola

23 agosto 2012

A origem da menstruação

(De uma fábula inédita de Ovídio, achada nas escavações de Pompeia e vertida em latim vulgar por Simão de Nântua.)

’Stava Vénus gentil junto da fonte
Fazendo o seu pentelho,
Com todo o jeito, p’ra que não ferisse
Das cricas o aparelho.

Tinha que dar o cu naquela noite
Ao grande pai Anquises,
O qual, com ela, se não mente a fama,
Passou dias felizes...

Rapava bem o cu, pois resolvia
Na mente altas ideias:
– Ia gerar naquela heróica foda
O grande e pio Eneias.

Mas a navalha tinha o fio rombo,
E a deusa, que gemia,
Arrancava os pentelhos e, peidando,
Caretas mil fazia!

Nesse entretanto a ninfa Galateia,
Acaso ali passava,
E vendo a deusa assim tão agachada,
Julgou que ela cagava...

Essa ninfa travessa e petulante
Era de génio mau,
e por pregar um susto à mãe do Amor
Atira-lhe um calhau...

Vénus se assusta. A branca mão mimosa
Se agita alvoroçada,
E no cono lhe prega (oh! caso horrendo!)
Tremenda navalhada.

Da nacarada cona, em subtil fio,
Corre purpúrea veia,
E nobre sangue do divino cono
as águas purpureia...

(É fama que quem bebe dessas águas
Jamais perde a tesão
E é capaz de foder noites e dias,
Até no cu de um cão!)

– “Ora porra” – gritou a deusa irada,
E nisso o rosto volta...
E a ninfa, que conter-se não podia,
Uma risada solta.

A travessa menina mal pensava
Que, com tal brincadeira,
Ia ferir a mais mimosa parte
Da deusa regateira...

– “Estou perdida!” – trémula murmura
A pobre Galateia,
vendo o sangue correr do róseo cono
Da poderosa deia...

Mas era tarde! A Cípria, furibunda,
Por um momento a encara,
E, após instantes, com severo acento,
Nesse clamor dispara:

“Vê! Que fizeste, desastrada ninfa,
Que crime cometeste!
Que castigo há no céu, que punir possa
Um crime como este?!

Assim, por mais de um mês inutilizas
O vaso das delícias...
E em que hei de gastar das longas noites
As horas tão propícias?

Ai! Um mês sem foder! Que atroz suplício...
Em mísero abandono,
Que é que há de fazer, por tanto tempo,
Este faminto cono?...

Ó Adónis! Ó Júpiter potentes!
E tu, Mavorte invito!
E tu, Aquiles! Acudi de pronto
Da minha dor ao grito!

Este vaso gentil que eu tencionava
Tornar bem fresco e limpo
Para recreio e divinal regalo
Dos deuses do Alto Olimpo.

Vêde seu triste estado, ó! Que esta vida
Em sangue já se esvai-me!
Ó Zeus, se desejais ter foda certa
Vingai-vos e vingai-me!

Ó ninfa, o cono teu sempre atormente
Perpétuas comichões,
E não aches jamais quem nele queira
Vazar os seus colhões...

Em negra podridão imundos vermes
Roam-te sempre a crica
E à vista dela sinta-se banzeira
A mais valente pica!

De eterno esquentamento flagelada,
Verta fétidos jorros,
Que causem tédio e nojo a todo mundo,
Até mesmo aos cachorros!”

Ouviu-lhe estas palavras piedosas
Do Olimpo o Grão Tonante,
Que em pívia ao sacana do Cupido
Comia nesse instante...

Comovido no íntimo do peito,
Das lástimas que ouviu,
manda ao menino que, de pronto, acuda
À puta que o pariu...

Ei-lo que, pronto, tange o veloz carro
De concha alabastrina,
Que quatro aladas porras vão tirando
Na esfera cristalina.

Cupido que as conhece e as rédeas bate
Da rápida quadriga,
Co’a voz ora as alenta, ora co’a ponta
Das setas as fustiga.

Já desce aos bosques, onde a mãe, aflita,
Em mísera agonia,
Com seu sangue divino o verde musgo
De púrpura tingia...

No carro a toma e num momento chega
À olímpica morada,
Onde a turba dos deuses, reunida,
A espera consternada!

Já Mercúrio de emplastros se a aparelha
Para a venérea chaga,
Feliz porque naquele curativo
Espera certa a paga...

Vulcano, vendo o estado da consorte,
Mil pragas vomitou...
Marte arranca um suspiro que as abóbadas
Celestes abalou...

Sorriu o furto a ciumenta Juno,
Lembrando o antigo pleito,
E Palas, orgulhosa lá consigo,
Resmoneou: – “Bem-feito!”

Coube a Apolo lavar dos roxos lábios
O sangue que escorria,
E de tesão terrível assaltado,
Conter-se mal podia!

Mas, enquanto se faz o curativo,
Em seus divinos braços,
Jove sustém a filha, acalentando-a
Com beijos e com abraços.

Depois, subindo ao trono luminoso,
Com carrancudo aspeto,
E erguendo a voz troante, fundamenta
E lavra este DECRETO:

– “Suspende, ó filha, os lamentos justos
Por tão atroz delito,
Que no tremendo Livro do Destino
De há muito estava escrito.

Desse ultraje feroz será vingado
O teu divino cono,
E as imprecações que fulminaste
Agora sanciono.

Mas, inda é pouco: – a todas as mulheres
Estenda-se o castigo
para expiar-te o crime que esta infame
Ousou para contigo...

Para punir tão bárbaro atentado,
Toda humana crica,
De hoje em diante, lá de tempo em tempo,
Escorra sangue em bica...

E por memória eterna chore sempre
O cono da mulher,
Com lágrimas de sangue, o caso infando,
Enquanto mundo houver...”

Amém! Amém! com voz atroadora
Os deuses todos urram!
E os ecos das olímpicas abóbadas,
Amém! Amém! sussurram.


Bernardo Guimarães (1825-1884)

Thomas Karsten - A concha de Vénus


blog A Pérola

16 agosto 2012

"A donzela que não podia ouvir falar de foder"



Era uma vez uma donzela muito orgulhosa e rebelde. Se ela ouvisse alguém "falar de foder" ou algo semelhante, ficava com um ar muito ofendido. Era a única filha de um bom homem, um rico camponês que não tinha nenhum servo em casa porque a jovem não suportava ouvir aquele tipo de conversa típica de servos. Ela “...nunca poderia suportar / que um servo falasse de foder / de caralho, colhões ou coisa semelhante” (Fabliaux, 1997: 63).

Um belo dia, um jovem velhaco de nome David chegou àquela aldeia e ouviu falar da filha que odiava os homens. Decidiu então confirmar a curiosa estória, oferecendo os seus préstimos: disse que sabia lavrar, semear, debulhar o trigo e peneirar. O camponês agradeceu, mas respondeu que tinha uma filha que sentia tanta náusea das coisas obscenas que os homens conversam que não poderia aceitar a sua oferta. David fingiu ser um homem temente a Deus e clamou pelo Espírito Santo. Ao ouvir as suas palavras, a filha do rico camponês pediu ao pai que contratasse o rapaz, pois ele compartilhava das suas ideias.

Houve então uma grande festa para comemorar a contratação do “servo beato”. Quando chegou a hora de dormir, o bronco camponês perguntou à filha onde David descansaria: “Senhor, se isso vos agrada / ele pode dormir comigo / ele parece ser de confiança / e ter estado em casas nobres” (Fabliaux, 1997: 67).

O ingénuo pai concordou. A donzela era muito graciosa e bela, e o servo, matreiro, logo colocou a sua mão direita nos alvos seios da moça, depois no seu ventre e no seu sexo, sempre perguntando à donzela o que era aquilo que tocava: “David desceu a mão / direto à fenda, sob o ventre / onde o pau entra no corpo / e sentiu os pêlos que despontavam / ainda macios e suaves (...)”. E perguntou:

Por boa fé, senhora, disse David (...)
o que é isto no meio do prado esta fossa suave e plena? Disse ela: é a minha fonte que ainda não brotou. E o que é isto aqui ao lado /  disse David, nesta guarita? É o tocador de trompa que a guarda responde a jovem, verdadeiramente se um bicho entrasse no meu prado para beber na fonte clara o vigia tocava logo o corno para lhe fazer vergonha e medo. (Fabliaux, 1997: 68)

A seguir, a jovem virgem decidiu ousar e passou a tomar a iniciativa, apalpando igualmente o servo beato. O poema compara o pénis a um potro e os testículos a dois marechais. A donzela pede então que o belo potro do jovem paste no seu prado. David teme que o “tocador de trompa” da moça – provavelmente uma metáfora ao clitóris – faça barulho, isto é, que a jovem grite de dor e prazer. Ela responde: “Se ele disser mal / batê-lo-ão os marechais. / David responde: Muito bem dito.”

E assim a jovem virgem e falsa púdica “foi derrubada quatro vezes”, “...e se o tocador de corno troou / foi batido pelos dois gémeos / Com esta palavra termina o fabliau.” (Fabliaux, 1997: 70)


FABLIAUX, Erótica Medieval Francesa, Lisboa: Editorial Teorema, 1997

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