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17 dezembro 2016

«O Conde de Aguilar» - por Rui Felício

Era certo e sabido. Cada vez que vínhamos a Lisboa à boleia para no dia seguinte à tarde assistirmos a um encontro de futebol entre um dos grandes e a Académica, percorríamos a via sacra que nos habituáramos a conceber, na nossa não assumida ignorância e provincianismo, perdidos na grande e feérica cidade capital.
As capas esvoaçando, calcorreávamos a Avenida da Liberdade, o Rossio, a Praça da Figueira, a Rua Augusta e o Terreiro do Paço. Bebíamos uma "imperial" no Café Martinho. Criticávamos a falta de qualidade da cerveja comparando-a com a Topázio de Coimbra, que era de longe a melhor de todas...
Petiscávamos no Comibebe, sorvíamos um "eduardinho" na Rua do Coliseu, uma "ginjinha com elas" no Largo de S. Domingos e um "pirata" nos Restauradores. A explosiva mistura não tardava a produzir os seus efeitos.
A grande apoteose estava porém reservada para o Ritz Club, perto do elevador da Glória. Ali encontraríamos as mais belas mulheres, algumas de cerrado sotaque espanholado, que nos davam a sensação de com elas dançarmos lascivamente na cosmopolita Madrid.
«Coelho punk e sapo aflito»
Estatueta em resina que esteve
exposta no primeiro Salão
Erótico de Lisboa, em 2005
Colecção de arte erótica
«a funda São»
Naquele antro de perdição, por mais do que uma vez vi actuar altas horas da madrugada, o ilusionista Conde de Aguilar.
Estava já na sua curva artística descendente, depois de anos e anos em que chegou a atingir o apogeu com espectáculos em Paris, Madrid, Coliseu de Lisboa...
Vestia-se com capa de cetim negro, chapéu alto, papillon, a indispensável varinha mágica e um lenço branco desdobrado, na mão que a segurava. Fazia os truques mais comuns, com cartas, flores, lenços, bolas, pombos....
Todos culminavam com a frase que era a sua preferida:
- Isto é extraóooordinário -  martelando as sílabas e acentuando prolongadamente o “óooo”... - Isto não é magia, meus Senhores, isto é ilusionismo. Em tudo há um truque, uma ilusão...
Deixava para o fim aquele que ele considerava o mais espectacular: fazer sair um coelho da sua cartola que previamente mostrava completamente vazia, elucidando: - Esta cartola é como um ventre materno. Das suas entranhas vai sair a vida que a varinha vai gerar!
Mas uma noite houve em que o Conde de Aguilar não conseguia fazer o coelho aparecer. Ele bem enfiava a varinha na cartola, tentando reproduzir o mistério da criação, mas nada!...
Alguém da assistência coimbrã, vendo a dificuldade do Conde de Aguilar, “ajudou-o”:
- Oh Conde, você já meteu a sua vara na cartola várias vezes... Agora tem de esperar uns nove meses, não sabia disso?

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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10 dezembro 2016

«Surrealismo» - por Rui Felício





«Passion #1, #2 and #3»
Acrílico e carvão sobre tela
45x60, 40x50 e 40x50
Charles Guyer, EUA, 2002
Colecção de arte erótica
«a funda São»







Olhos semicerrados, cambaleou até à casa de banho...
Exausta mas satisfeita.
Mirou-se ao espelho, abriu e fechou os profundos olhos pretos amendoados.
Arrancou das entranhas um suspiro cavo e iniciou lentamente as suas abluções.
Agora já bem acordada, parecia não se reconhecer na imagem que o espelho reflectia.
Porém, era ela, sim, mas estilizada, convertida em traços rígidos, cubistas, de cores garridas e chocantes, os olhos sobrepostos, as linhas suaves transformadas em formas angulosas, firmes.
Só ele, esse espelho companheiro de todos os dias, possuía a qualidade de a desnudar, de reconverter as suas formas clássicas nas imagens que ela própria , afinal, tinha idealizado minutos antes, deitada na sua cama.
Ainda com os cabelos num sensual desalinho, voltou para o quarto. Atirou-se para cima da cama, instintivamente arregaçou a roupa acetinada, e deixou as mãos vaguearem pelo seu corpo em brasa.
Fixou ansiosa os olhos no tecto, onde só ela via, estampada no estuque, em mágicas pinceladas, o rosto sorridente e meigo do seu companheiro de tantas alvoradas.
Esperando um gesto, um som, uma voz que viesse completar o quadro ainda inacabado...
Imperceptível, saia dos seus lábios entreabertos, o sussurro quase rouco de uma prece, de uma ânsia, de um chamamento.
Ela queria mais uma vez o toque inolvidável daquele que lhe moldara a imagem. Daquele que a tomara e que a recriara...
A mesma imagem que o espelho, seu recatado confidente, lhe devolvera ainda há pouco...
Alguns minutos passados e o seu coração disparou. O telefone tocou. E ela pressurosa atendeu...
Era Picasso!

Rui Felício
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03 dezembro 2016

«Cromos do Liceu D. João III - Cónego Urbano Duarte (professor de Religião e Moral)» - por Rui Felício

Ao contrário do salazarista Padre Eugénio, também professor desta disciplina, o Cónego Urbano Duarte era um pedagogo que procurava incutir nos seus alunos o gosto e o interesse pelo debate sobre os dogmas religiosos.
«Diabo com carrinho de mão leva
mulher... ao colo...
Estatueta em bronze
Colecção de arte erótica «a funda São»
Implementou uma novidade nas suas aulas que consistia, para obviar o natural constrangimento dos rapazes, em receber daqueles que assim o entendessem uns papelinhos dobrados em quatro, onde cada um escrevia um tema, uma opinião ou uma pergunta.
Certo dia, na aula, retirou aleatoriamente de cima da secretária um desses papelinhos anónimos, desdobrou-o, e, após alguns momentos de silêncio, leu em voz alta o que lá estava escrito:
"Se o Diabo não é casado, porque é que tem cornos?"

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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18 novembro 2016

«Apaixonar-se» - por Rui Felício


São lindíssimas, as mulheres futa fulas...
Em Bangacia (Duas Fontes), existia uma fonte de água cristalina onde se juntavam várias raparigas e mulheres para lavarem roupa.
Os soldados de Cansamba, que era a tabanca mais próxima, onde existia um destacamento da nossa Companhia sediada em Galomaro, não perdiam nenhuma oportunidade para, a pretexto de se irem abastecer de água para o destacamento militar, se quedavam a olhar as raparigas seminuas que ali lavavam a sua roupa.
O Jorge Rijo, que os comandava, não era excepção. Perdido e achado ali permanecia.
Apaixonou-se perdidamente pela Fátima, jovem futa fula de seios firmes desnudos, sorriso alvo e olhos negros profundos, que ali ia todos os dias.

Falou com o pai dela, inquirindo-o da possibilidade de se casar com a filha.
Assim obrigava a tradição muçulmana.
O homem respondeu-lhe que o preço para a sua autorização era de 50 contos, duas vacas, 5 kgs de cola (fruto muito apreciado pelos guineenses), 10 cabritos e 20 galinhas.
Uma exorbitância, havemos de convir. Mas que não se estranha, atendendo a que o Jorge era alferes e, portanto, com grande capacidade financeira. Pelo menos assim pensava o pai da rapariga...
Dias mais tarde, em Galomaro, ficámos a saber das intenções do Rijo quando pediu aos colegas um empréstimo para concretizar os seus intentos.
Embora inicialmente nos prontificássemos a emprestar-lhe o dinheiro que pedia, recusámo-nos quando nos explicou as razões que o levavam a fazer-nos tão inesperado pedido.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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29 outubro 2016

«O sortilégio dos pés» - por Rui Felício

Jamais esqueceremos o primeiro amor que perdurou para sempre.
Nem a carícia da espuma do mar nos nossos pés, naquele primeiro beijo.



Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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22 outubro 2016

«Boa como o milho!» - por Rui Felício

Há dias, a minha amiga Vera Duarte, Professora de História publicou esta fotografia, interrogando-se sobre a origem da expressão "Boa como o milho".
Prometi-lhe que a descobriria.
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INVESTIGAÇÃO
Confesso que me sinto exausto mas ao mesmo tempo satisfeito, por, finalmente, ter levado a bom porto o meu trabalho, após aturadas pesquisas histórico-cientificas, em que até o Carbono 14 foi utilizado.
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AS ORIGENS DA EXPRESSÃO “BOA COMO O MILHO”
Esta expressão remonta aos longínquos tempos da Antiguidade. Nefertiti, jovem Deusa egípcia, de uma beleza inigualável, raiando a perfeição suprema, a certa altura quis casar, o que, sendo normal nos seres humanos vulgares, não abona muito à propalada inteligência divina. Mas enfim, isso é outra história...
Mas seu pai (sim, porque os Deuses antigamente tinham família...) queria casá-la com um Deus rabugento, grosseiro e mal encarado ( antigamente os Deuses não eram todos belos...), muito mais velho que ela.
Nefertiti sofria, como é bom de ver, e propôs ao seu pai que lhe desse uma oportunidade de tentar casar com outro que não aquele que lhe estava destinado. O pai aceitou mas, matreiro (nos Deuses antigos também se encontrava esse humano defeito da matreirice...), disse à filha que ia realizar uma prova de selecção, com a condição de que se nessa prova ninguém a conseguisse realizar a contento, a bela Nefertiti acederia definitivamente a casar com o tal Deus rabugento e mal encarado.
E determinou:
Que fossem espalhados editais a convocar os candidatos à bela deusa, para participarem na prova de selecção do futuro noivo. Mas a beleza de Nefertiti era tal que no dia marcado apareceram dezenas de candidatos. Só então ficaram então a saber qual era a prova que teriam de realizar:
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A PROVA
A prova consistia em comer, num só dia, todo o milho que jazia espalhado em grande quantidade, numa enorme eira fronteira à casa do tal Deus. Raio de prova, pensou a maioria.
Impossivel! Desisto!, diziam alguns. Ainda por cima quase ninguém gosta de milho cru, diziam outros. E um por um todos foram desistindo abandonando descoroçoados o local...
O último dos candidatos ficou expectante e o pai de Nefertiti, perguntou-lhe:
- Então, és capaz de comer este milho todo?
O belo jovem, sorridente, que desde que nascera era doido por milho (certamente como macaco o é por banana...), perguntou:
- Se eu comer o milho todo, caso com a Nefertiti?
O pai da bela deusa, com um irónico sorriso, acenou afirmativamente com a cabeça.
O jovem candidato, já certo que iria juntar o útil ao agradável, lançou-se à sua tarefa de comer aquele milho todo, o que para ele era o melhor dos petiscos, exclamando eufórico:
- BOA!
e de seguida:
- COMO O MILHO!
E comeu-o... todo!

15 outubro 2016

«O caju e a mulher (ou, nem tudo o que parece, é)» - por Rui Felício

Tal como o morango, que é tido como fruto nas que na realidade não é, também com o caju se passa algo idêntico.
Com efeito, num caso e noutro, aquilo a que chamamos fruto não o é, mas sim o pedúnculo em que se encastram os verdadeiros frutos. No morango, os aquénios (grainhas), no caju, a castanha.
Nos supermercados europeus, onde proliferam as mais variadas frutas tropicais, aparece a castanha de caju, mas o caju propriamente dito não aparece normalmente, devido à dificuldade da sua conservação e elevado perecimento.
A primeira vez que experimentei provar um caju directamente arrancado do cajueiro, senti um gosto agridoce, algo estranho, talvez desagradável, ao trincar a pele espessa exterior do atractivo e belo fruto.
Mas à medida que ia saboreando a polpa consistente e sumarenta cujo sumo me enchia a boca, senti um prazer inigualável. Não conheço outro fruto cujo sabor seja mais divinal, cujo néctar mais parece ter sido inventado para gáudio de deuses e não de simples mortais.
Também assim é com algumas mulheres.
Sedutoras e belas, tornam-se ásperas e desagradáveis numa abordagem superficial, mas desfazem-se em doçura quando conseguimos imiscuirmo-nos no seu âmago e elas nos deixam degustar o seu néctar.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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08 outubro 2016

«A prova» - por Rui Felício

Miguel Azevedo, produtor e grande conhecedor de vinhos, entrou naquele requintado restaurante de Lisboa, foi acompanhado à mesa pelo Chef de Sala, leu a carta e encomendou um tornedó mal passado, guarnecido com legumes salteados e esparregado. Pediu um Pegos Claros, reserva tinto, colheita de 2012.
Instantes depois, o escanção dirigiu-se à mesa com o vinho já depositado num decantador. Com extremo cuidado e aparato profissional, verteu uma pequena quantidade no copo e esperou que o cliente o provasse.
«Garrafa de vinho
BEBESPONTOCOMES Dão by Lúcia Freitas»
Design de André da Loba, 2015
Colecção de arte erótica «a funda São»
O Miguel Azevedo agitou o copo em lentos movimentos elípticos, chegou-o aos lábios, saboreou, quase mastigou o néctar, repetiu mais umas duas vezes o cerimonial, chegou o copo ao nariz, aspirou o aroma vínico, fitou o empregado e sentenciou:
- Este vinho é de facto de 2012 mas não é Pegos Claros!
O escanção ganhou coragem e atreveu-se a contradizer o cliente. Que sim, que era realmente um reserva tinto Pegos Claros de 2012
Que não, insistia o Miguel Azevedo, com ar contrariado. O Chef aproximou-se e polidamente garantiu que realmente aquele vinho era Pegos Claros.
- Sabe, meu caro? Quem produziu este vinho fui eu e asseguro-lhe que não é Pegos Claros. É Pegões!, sentenciou o Miguel Azevedo…

O escanção interveio:
- Perdoe-me V. Exª, eu conheço bem a região onde se produzem estes vinhos. Pegões e Pegos Claros são duas vinhas de iguais castas, situadas a não mais do que 500 metros uma da outra, tratadas da mesma maneira, as uvas são colhidas, preparadas e pisadas na mesma Adega, segundo os mesmos métodos. Como pode V.Exª ter tanta certeza de que este vinho não é Pegos Claros. Na verdade, tudo indica que ambos sejam exactamente iguais.
- Mas não são!, disse o Miguel Azevedo.

E, em voz sussurrada, aconselhou o escanção:
- Faça a seguinte experiência: quando chegar a casa peça à sua namorada que se dispa completamente. Aprecie os orifícios mais próximos do seu corpo. Cheire-os, deguste-os e compreenderá que, apesar da proximidade geográfica, têm aromas e sabores diferentes e completamente distintos…

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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01 outubro 2016

«A força do amor» - por Rui Felício

«O fauno e a flora»
Laurent, tinta da china sobre papel, 2010
Colecção de arte erótica «a funda São»



Mil vezes a olhei, indiferente
Muitas outras a pisei, inconsciente.
Aquela lisa laje de granito
Estática, fria, estéril
Transformou-se em fecundo útero.
Rachou, alargou e permitiu
Que brotasse das entranhas
A bela, frágil e perfumada flor
Germinada pela inusitada força
Das suaves gotas do amor.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

24 setembro 2016

«Conceito de beleza» - por Rui Felício

Nas últimas décadas, tem vindo a ser recuperado o conceito de beleza helénica, de linhas equilibradas, simétricas, suaves, expurgadas de imperfeições.
«Mulher, cupido e pombas»
Óleo sobre tela de autor anónimo
Colecção de arte erótica «a funda São»
As mulheres eram apresentadas de seios pequenos, erectos, nariz atilado, lábios cheios, cabelo tratado.
Os homens, de cabelo encaracolado, olhos profundos, peitorais firmes, musculados, ventre liso e pénis pequeno.
Pelo meio dos séculos, o conceito de beleza passou por variados padrões. Todos se lembram das matronas anafadas da Renascença ou das macilentas mulheres da época romântica.
Ou dos homens rudes, guerreiros, mal lavados dos tempos da Reconquista Cristã.
Ou mesmo dos efeminados cavalheiros do séc XVIII, de cabelos empoeirados e finas pernas envoltas em apertadas meias de seda.
O belo e o feio são conceitos, são modas.
Mas, transversal a todas as épocas é o conceito imutável de que a beleza resulta mais daquilo que se é, do que daquilo que se aparenta ser.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

17 setembro 2016

«Fingimento» - por Rui Felício

«Doutor Pinga Amor - vol. 1 - Ao seu dispor
sete dias sobre sexo!»
Livro de banda desenhada
Colecção de arte erótica «a funda São»
Se te disser que não te amo, se te assegurar que não é com a tua imagem que adormeço, se te jurar que não és tu que povoas os meus sonhos, se te garantir que ao acordar pela manhã, não são as centelhas dos teus belos olhos que me cegam, e que não é o viço das tuas faces que me empolga, nem tão pouco o ténue sorriso cheio de mistério e de promessas que te ilumina.
Se te disser tudo isso, podes pensar que minto, que estou fingindo.
Não sou poeta, como sabes.
Muito menos tenho o talento de Fernando Pessoa.
Por não te saber dizer o que quero, socorro-me dele e plagio parcialmente o que o seu génio escreveu:

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que finge que não é amor
O amor que deveras sente.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

10 setembro 2016

«Viagra» - por Rui Felício

Uma vez telefonei ao meu amigo Victor David só para saber como ele estava.
Atendeu-me mas foi logo avisando:
- Oh pá, estou bem, mas agora vou a guiar. Vou passar o telefone à São que vai aqui ao meu lado.
- Ok, passa lá então.
Quem conhece a São, dona da Farmácia Nazareth, na baixa de Coimbra, sabe que ela tem sempre uma anedota nova para contar, que nos deixa perdidos de riso.
Sabendo eu como ela é, logo que atendeu o telemóvel, resolvi antecipar-me e, falando de forma séria, disse-lhe:
- Olá São, ainda bem que que me atendes. Vem mesmo a calhar.
- Porquê?
- Sabes, tenho vergonha de ir ao médico pedir-lhe receita e sem receita não me arrisco a ir á farmácia. É que preciso de um medicamento e tu, como és farmacêutica, podias arranjar-me esse medicamento e mandavas-me pelo correio.
A São deve ter pensado que eu estava a falar a sério e imediatamente se aprestou para satisfazer o meu pedido.
- Claro, disse ela. Diz-me qual é o medicamento e, se eu puder, mando-te já amanhã.
- É Viagra, respondi eu.
Foi então que ela percebeu que eu estava a gozar, mas recompôs-se rapidamente:
- Olha, ainda bem que me pedes isso. Saiu há dias um novo Viagra, mesmo apropriado para ti. É o Viagra em Gotas. É óptimo.
- Em gotas?!
- Sim, para ti é o indicado. Precisas disso é para os olhos, não é?
Só pode...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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Esferográfica Viagra com mecanismo
Colecção de arte erótica «a funda São»

03 setembro 2016

«Fazer amor com controle» - por Rui Felício

Vai para dez anos fui parar ao Hospital de Santa Maria com uma tensão arterial altíssima. Estive umas horas no Banco de Urgências a fazer sucessivas medições da pressão arterial, ao mesmo tempo que os médicos de serviço me iam fazendo engolir comprimidos nem sei bem para quê. Lembro-me apenas de, a certa altura, também me terem dado uma injecção (tenho um pavor terrível de levar injecções...) com a finalidade de me obrigar a urinar.
Explicaram-me que a expelição da urina pode facilitar a descida da pressão arterial. Não me doía nada, sentia-me relativamente bem, mas os valores das medições continuavam altos. A médica de serviço disse-me:
- Não posso deixá-lo sair daqui com a tensão arterial tão elevada. Corre o risco de lhe dar alguma coisa já à saída do Hospital e voltar aqui com algum problema grave. Vai ter que ficar aqui em observação, esta noite.
- Ok. Respondi eu. A Doutora é que manda (era gira, ainda por cima...)
Permaneci até às quatro da manhã no SO e depois mandaram-me para uma enfermaria com a tensão arterial já estabilizada.Foi uma noite interessante enquanto estive no SO, ligado por uma data de tubos a uma máquina cheia de gráficos, para mim completamente ininteligíveis. De vez em quando era visitado por um grupo de estagiárias novinhas, bem parecidas e simpáticas que me faziam perguntas e se divertiam com as respostas que eu às vezes lhes dava.Bom, no dia seguinte depois de almoço uma médica veio ter comigo à enfermaria, conversámos e ela disse-me que me ia dar alta acompanhado com uma receita de uma série de comprimidos para ir tomando.
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Homem tatuado tendo
em relevo, no seu peito e
barriga, um casal a fazer amor
Estatueta em madeira
Nepal?
Colecção de arte erótica «a funda São»
Daí a 15 dias voltei ao Hospital para uma consulta que tinha ficado marcada pela médica. Auscultou-me (até gosto de ser auscultado, o que detesto é levar injecções...). Disse-me que estava tudo normal e que me ia mandar fazer uns exames (detesto fazer exames sem me darem tempo para eu estudar, mas enfim...).Perguntei-lhe quais seriam as precauções que devia ter no que respeita à alimentação.Mandou-me reduzir ou mesmo eliminar o sal, as carnes com demasiadas gorduras, enfim essas coisas que todos já ouvimos falar... E, claro, que deixasse de fumar (coisa que ainda ando a ganhar a coragem necessária para o fazer...).
Não me falou numa coisa que me preocupava e que para mim não é menos importante que a alimentação e o tabaco.
Perguntei-lhe:
- Doutora, e sexo?
E ela, franzindo o sobrolho:
- Diga?!
Retorqui-lhe, explicando:
- Sexo, Doutora! Fazer amor! Na minha ignorância de medicina, parece-me que a tensão arterial pode descontrolar-se quando se faz amor. E queria que me dissesse que precauções devo tomar.
Ela esclareceu e recomendou:
- Bom, são coisas naturais a que o organismo se adapta, não havendo razão para medidas especiais, mas reconheço que nada custa prevenir os riscos. Recomendo-lhe que, nesses momentos, mantenha algum controle da tensão, evitando excessos e exageros.
Como sou obediente, desde então, tento fazer amor (quando calha...) com o medidor de tensão apertado no meu braço e o tubo ligado a um monitor que comprei e mandei pendurar na parede do quarto, para onde olho de vez em quando, fazendo o que a médica mandou:
Controlando a tensão arterial que o monitor vai indicando...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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27 agosto 2016

«A... mar» - por Rui Felício

Primeiro a boca, os dedos, depois os pés, mãos, pernas, braços, pescoço, peito...
Helena deixou escorrer pelo corpo, o amor que experimentava pela primeira vez. Imaginou-se envolta pelo mar, comparou os arrepios aos salpicos das ondas, os odores ao cheiro a maresia, a incompreensão das sensações, à imensidão do oceano...
Até que, num súbito desejo, mergulhou!
Morreu afogada pouco depois.
A Helena não sabia nadar...

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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"Amar amar há ir e voltar"
Placa em cartão
Colecção de arte erótica «a funda São»

20 agosto 2016

«Ele dizia que tinha o melhor pai do mundo!» - por Rui Felício

Chibatas com extremidade em
cabedal com forma de pénis
Cha Cha Cha
Colecção de arte erótica «a funda São»





Tenho um amigo de Coimbra que, quando era rapaz, descobriu que era masoquista.
Andava sempre a procurar zaragatas com o fito de obter prazer quando lhe batiam.
O pai dele tinha um desgosto enorme por esta perversão do filho.
Por causa disso e porque ele não ganhava emenda, castigava-o todos os dias.
Dava-lhe cada tareia…

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
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16 julho 2016

«Nudez primaveril» - por Rui Felício

Com o advento da Primavera, nas férias da Páscoa, chegavam os primeiros dias de sol e algum calor. Era frequente então reunirem-se grupos de rapaziada para irem ao rio tomar os primeiros banhos do ano.
O caudal do Mondego, por essa altura, era ainda grande e as águas límpidas, de um belo azul, corriam em forte torrente, dando jus à alcunha de “Basófias” que lhe era atribuída.
Muita da água que enchia por completo o seu leito, provinha do degelo das neves da Serra da Estrela. Gelava e arrepiava a pele e os ossos...
Certa tarde, um grupo que estava no Café Abrigo decidiu ir até ao Rebolim. Lembro-me que o compunham, entre outros, o Rui Bento, o Betinho, o Rui Umbelino, o Graciano, o Elói, o Emílio, o Campante e não sei se o Paulo Nobre.
Tudo malta já na casa dos 18 a 21 anos. Uns homenzinhos, portanto...
Porque, no Café, estávamos também o Filipe Famelga e eu, mais novitos com cerca de 15 anos, mas também com vontade de ir ao rio, condescenderam em que os acompanhássemos.
Lá chegados, todos nos despimos e, completamente nus, em grande algazarra, agarrados aos salgueiros para não sermos arrastados pela corrente, íamos mergulhando nas gélidas águas do Mondego.
Uns entravam, outros saíam e voltavam a entrar, chafurdando na água e na lama da margem. Nos intervalos íamos roendo alguma da fruta roubada durante o caminho.
Em dado momento, sem percebermos bem como, eu e o Filipe Famelga reparámos que éramos os únicos que ainda ali permanecíamos, metidos na água e sem vermos ninguém na margem.
Saímos do rio, em pêlo. Corremos tudo à procura da roupa sem dela encontrarmos vestígios.
Bem berrámos pelos outros, mas respondia-nos apenas o eco da margem oposta!
Percebemos finalmente que aquela malta, de propósito, tinha fugido com as nossas roupas. Agora era preciso voltar para o bairro, nus como tínhamos vindo ao mundo!
Atravessámos o Pinhal de Marrocos, escondendo-nos o mais possível por entre os arbustos e as árvores, atentos ao eventual aparecimento de alguém que, felizmente, nunca surgiu.
Já no “cavalo selvagem” às portas do bairro, emboscámo-nos num dos grandes buracos que existiam a alguma distância do Café Abrigo. Víamos perfeitamente aquela malta espalhada pela esplanada a beberricar umas cervejas.
Quando deram conta da nossa chegada, gritaram-nos, acenando-nos com as nossas roupas, incentivando-nos a irmos buscá-las, galhofando e rindo em estrepitosas gargalhadas.
Claro que só depois de caída a noite nos atrevemos a ir ao Café recolher a roupa, protegidos pela escuridão e pelas mãos que desesperada e inutilmente tentavam ocultar a nossa vergonhosa e primaveril nudez.
Além da partida que nos pregou, aquela malta ainda enriqueceu o seu léxico com o chorrilho de asneiras e insultos com que, nós dois, durante todo o tempo os fomos mimoseando.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

Milo Manara - Banhos
Poster com reprodução de imagem do álbum «Vénus & Salomé»
92x43 cm
Milo Manara
Colecção de arte erótica «a funda São»

04 julho 2016

«Concurso de beleza» - por Rui Felício

Peter Paul Rubens
«O julgamento de Paris»
ca. 1632-1635, óleo sobre madeira, 144 x 149 cm
(National Gallery, Londres)

Há um episódio da mitologia grega, o julgamento de Páris, que pode ser considerado consequência do primeiro concurso de beleza de que se tem notícia.
Conta-se que o filho do rei de Tróia teria recebido a inesperada visita das deusas Hera, Atena e Afrodite.
Elas disputavam a maçã de ouro (o famoso pomo da discórdia ) que seria concedida à mais bela.
Páris foi nomeado por Hermes para ser o juiz do concurso, em nome da vontade de Zeus, o deus supremo.
As três imortais defenderam cada qual a sua candidatura, prometendo ao árbitro dons e bens particulares.
Hera ofereceu-lhe poder e o império da Ásia.
Atena, a sabedoria e a vitória em todos os combates.
Afrodite garantiu-lhe o amor da mulher mais bonita do mundo que era Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta.
O príncipe declarou Afrodite a deusa mais bela e esta cumpriu a promessa, fazendo com que Helena se apaixonasse por Páris.
Páris raptou então Helena estando aí a origem da famosa Guerra de Tróia.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações
Blog Escrito e Lido

04 junho 2016

«A ubiquidade do amor» - por Rui Felício

Cristalina, límpida, refletia os raios solares e com eles dardejava e chamava a atenção do seu amado.
Distraído, ali ao lado, ele nem parecia reparar. Era um calhau, uma pedra, e nem lhe passava pela cabeça que ela, uma poça de água da chuva recente que tinha caído, se tivesse apaixonado por ele.
«Amor transparente»
Mola em plástico formada por casal abraçado
EUA, 1995
Colecção de arte erótica «a funda São»
Mas a verdade é que a água estava loucamente enfeitiçada pela máscula pedra ali tão perto, quase ao seu alcance.
Tamanha foi a sedução, que o frígido calhau acabou por reparar nela e sentiu o calor derreter-lhe a pouco e pouco a postura rígida.. Também ele sentiu o fascínio do amor, por estranho que nos possa parecer.
Deixou-se escorregar lentamente e aos poucos envolveu-se nas carícias da poça de água.
No fogo do amor que os incendiou, fundiram-se num só. Já não era possível distinguir a água do calhau.
Aquela pedra de gelo tinha-se derretido completamente...

Rui Felício
Facebook
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28 maio 2016

«O corcunda» - por Rui Felício

Naquele tempo eu morava perto da Polygram, onde trabalhava o António Avelar Pinho, casado com uma prima minha.
Muitas vezes ao fim do dia ia até lá conversar, passar um bocado. Por ali passavam artistas da editora que fiquei a conhecer. O Paulo de Carvalho, o Herman José, o Carlos do Carmo, as Doce…
Era ali visita frequente, um corcunda que levava de vez em quando para avaliação do ToZé Brito umas cassetes com canções da sua autoria, na esperança de um dia serem gravadas em disco. O bom coração do ToZé Brito impedia-o de lhe dizer que as canções não tinham a mínima qualidade. Com essa sua proverbial bondade, ia mantendo, sem querer, as esperanças do corcunda.
Um dia, talvez em meados da década de oitenta, a Polygram ofereceu-lhe um bilhete na primeira fila do Coliseu dos Recreios para um espectáculo que ali ia dar a cantora brasileira Elba Ramalho.
Aprontou-se o melhor que pôde com o seu fato domingueiro, desceu do Metro nos Restauradores e caminhou até à Rua das Portas de Santo Antão. Nunca tinha entrado no Coliseu. Ficou especado à porta do edifício, com o bilhete na mão, durante largos minutos. Por ele via passar, rindo, apressados, em direcção à escadaria, homens e mulheres, eufóricos, alegres. Resolveu segui-los até uma das portas ao cimo da escadaria. Um porteiro fardado mirou-o de alto a baixo, pegou no bilhete, rasgou-lhe uma ponta e disse-lhe:
- Porta C, 1ª fila, lugar nr. 2!
Na dita Porta um outro empregado conduziu-o até ao lugar marcado, devolveu-lhe o bilhete e ficou uns segundos de mão aberta estendida.
O corcunda, olhou-o uns instantes, apertou-lhe a mão, e cumprimentou-o, dizendo:
«Auto das Danações»
Peça de teatro sobre os tempos modernos
mas à moda de Gil Vicente
baseada numa ideia de Paulo Moura
Jorge Castro, Apenas livros edições, 2007
(edição especial - a funda ediSão)
Colecção de arte erótica «a funda São»
- Muito obrigado!
Abre-se o palco inundado de luz, ao som dos acordes dos músicos. Elba Ramalho entra sorridente, esfuziante, cabelo farto aos caracóis, com um vestido colorido que deixava ver, bem acima dos joelhos, um par de pernas bem torneadas, e mais acima uns seios palpitantes, apetecíveis.
O corcunda revolvia-se na cadeira. Os olhos não se despegavam das curvas daquela bela mulher! Nas últimas noites tinha sonhado com ela, imaginava as caricias que lhe faria se, por uma noite que fosse, a tivesse na cama a seu lado. Mas disforme como a Natureza o tinha feito, sabia bem que nunca poderia aspirar a tal!
Entregue aos seus pensamentos, nem reparou que a Elba Ramalho já descia do palco e cantava na plateia, deambulando pelo meio dos espectadores.
Aproximou-se dele, sentou-se-lhe ao colo, passou o braço em redor dos seus ombros, enquanto cantava, olhando sensualmente para ele:
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios
De me beijar os seios
Me beijar o ventre
E me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo
Como se o meu corpo
Fosse a sua casa
O corcunda nem queria acreditar! Todos os músculos do corpo estavam tolhidos, Olhando-a, a boca retorcida, a marreca mais pronunciada, apenas conseguiu articular um som rouco, quase ininteligível, como que em resposta aos versos da cantora:
- Sim, sim. No fim do espectáculo?

Rui Felício
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