Encharcados em pinga, discutindo os gostos, taras e (pretensas) práticas sexuais de todos e de cada outro. Declarando, alto e em bom som, as coisas que fazíamos a toda e qualquer mulher que víamos, eu, o Azevedo, o Oliveira, o Picoto e o Borrego gargalhamos como meninos e esquecemos o mundo.
– O Azevedo gosta que a mulher lhe punha o dedo no cu – dispara o Borrego, ante a ausência de gajas para nos distrair e a falta de definição sobre o rumo que a noite devia tomar.
O Azevedo empina-se, resfolega, rosna e grasna:
– É lá! O que é isso! O caralho é que gosto!
– Foda-se! Gostas que a tua mulher te ponha o caralho no cu? – Grita o Oliveira no meio de gargalhadas descontroladas. – 'Tou-me a mijar todo, caralho. Pára o carro, foda-se! Pára!
O Azevedo enche-se de brios, carrega no acelerador (passamos a ir a 35) e ladra, sem destinatário definido:
– Vão-se foder! Fodam-se todos!
Se fossemos mais depressa podíamos temer pela nossa integridade física – o Azevedo gritava o acto sexual como uma ameaça de morte ou, pelo menos, de algumas feridas contusas –, todavia, àquela velocidade, o nosso único medo resultava do horroroso pavor de que o Oliveira não conseguisse parar de rir e não evitasse a húmida e mal cheirosa catástrofe que, se não nos podia afogar, sempre encharcaria em urina quente e odorífera a nossa honra e amor-próprio (bem como as hipóteses de entrarmos fosse onde fosse – talvez só nalguma casa de alterne de décima quinta categoria e sem preconceitos contra incontinentes).
O carro visto de fora – a 35 à hora, com um condutor sério a fazer cara de ruim, de olhos fixos na estrada e mãos a estrangular o volante, um pendura a bater no tablier, gritando em coro com os ocupantes traseiros laterais "Pára! Pára! Pára!" e o quinto elemento da viatura, no meio do banco de trás, a rir à gargalhada, convulsivamente, sem parar, agarrado à barriga, vermelho como um pimento (da mesma cor) e ora de cabeça estendida para trás ora agachado entre os bancos –, era como visto de dentro, um carro de loucos.