De entre os vários medos inspirados pela pandemia, um dos que mais me suscitam aversão é o da perda de relevância de uma simples carícia. Uma carícia de forma genérica, espontânea e instintiva, daquelas que se dão, com o devido tom, a um filho, a uma amiga, a um parceiro de vida, a uma pessoa vulnerável cujo caminho com o nosso se cruzou. Apenas o gesto, com o que transmite e com o que representa.
A carícia é dos mais elementares gestos de amizade ou de amor traduzidos num toque. Tem um efeito poderoso nas pessoas. É imprescindível no contacto humano, a qualquer nível. E a pandemia tornou-a numa espécie de ameaça. É isso que me assusta, demasiada gente, demasiado tempo, privada de carícias e a entendê-las sob o estigma de um contágio possível. A aprender a dispensá-las.
Uma carícia, como reacção imediata à necessidade de alguém ou apenas como manifestação do nosso carinho, do nosso afecto, do nosso amor, do nosso desejo por outro ser humano. Pode ser um afago como um abraço. Pode ser um beijo ou um sorriso. Mas é vital, para mantermos a proximidade, a necessidade uns dos outros que nos trouxe até aqui. Nada de que possamos abdicar, nada que possamos considerar descartável em qualquer contexto vindouro.
É um poder muito humano que até os animais apreciam e do qual seríamos tolos ao prescindir. Faz toda a diferença numa existência dita normal e ainda mais numa das outras. É balsâmico, revigorante, um alicerce de confiança entre as partes envolvidas.
À flor da pele, essa sede de contacto de que quase todos padecemos, ou antes à distância prudente de um sorriso ou de um olhar. Mas com tudo aquilo que pode e deve implicar, respeito pelo que de melhor conseguimos encontrar em nós próprios para partilhar com os outros.
E essa é uma forma de contágio da qual nada temos a temer.
Shark
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