Primeiro mandou-me um sms, "Café", faltava-lhe o ponto de interrogação, mas eu percebi que era um convite. Seriam umas duas da tarde e o café, a ser o caso, seria bebido depois do jantar. Não respondi.
Uma hora depois, outro: "Preciso conversar ctg". O ctg era eu. Meia hora depois respondi, "ok. Café e conversa".
Pelas seis o programa mudou: "Queres jantar?". Estranhei a frase completa e a correcção do português e, principalmente, o pormenor do ponto de interrogação.
Quinze minutos depois, sob o olhar atento do Borrego e o sorriso trocista do Oliveira, nova mensagem: "vamos". A palavra completa pressupunha algum cuidado na escrita, a ausência de maiúscula e de ponto de interrogação indiciavam urgência e davam sinal de alguma impaciência. Devia ter percebido, mas, a verdade, é que não liguei.
"Onde? Quando? Como? Com quem?", procurei saber.
"lá 8 meia lá so". O só já não teve direito a acento. Ou seja, íamos jantar os dois, cada um em seu transporte, ao restaurante do costume, às 20.30.
Fomos.
Ainda não tinham vindo as bebidas, já ela arrancava um esclarecedor:
– Temos de falar.
Eu respondi perguntando porquê e ela avançou:
– Não podemos continuar assim.
– Assim, como?
– Isto não é saudável.
– O quê?
– Nós.
– Nós não somos saudáveis? – Perguntei, mas não queria gozar, saiu-me.
– Não estou a brincar, Pereira.
– Nem eu. Não era isso que eu queria dizer – justifiquei-me. – O que é que se passa?
– Abusas dos "ques"!
– Desculpa?
– Estava a brincar. – Sorriu por sms. – Não podemos continuar assim... Quer dizer, casámos, divorciámo-nos e agora andamos a... Quer dizer, temos uma amizade colorida. – Fez uma pausa e continuou: – Já não tenho idade para isto, nem feitio...
– Tem sido bom – atalhei.
– Tem – concordou ela, – mas não é isso que interessa.
– Não, porquê?
– Isto não é vida – respondeu ela, categórica.
– E o que é? O que é a vida?
– Sei lá, mas isto não é. Isto não nos leva a lado nenhum.
– E porque havemos de querer ir a algum lado?
– Eu quero!
E se ela queria, não havia nada a fazer, só deixar a poeira assentar. É o que andamos a fazer. Pode ser que qualquer dia ela me ligue ou me escreva um e-mail. Ou pode ser que não. De todo o modo, após digerirmos o ponto de exclamação que podia ter concluído a conversa, esta continuou:
– Mas já sabes para onde queres ir? – Perguntei para desanuviar.
– Não é um sítio, Pereira, é a minha vida.
– Eu sei que não é um sítio, eu sei que é a tua vida – expliquei. – O que comemos?
– Estás a pensar em comer? – Pelo olhar que me fez, ela também devia estar a pensar em comer, ou melhor, em comer-me (sem qualquer conotação sexual).
– Estamos num restaurante – lembrei-lhe – e são horas de jantar.
– Não tenho fome nenhuma. – Olhou em volta, fez uma careta e perguntou: – Se nos fossemos embora, parecia mal?
– Ainda não pedimos – encolhi os ombros, – arranjamos uma desculpa e vamos embora. Acho que o Sr. Fernando percebe.
– Então vamos, não quero ficar aqui.
Saímos e, a convite dela, que eu agradeci, fomos para a sua casa comer e, a iniciativa foi dela, nem tudo o que comemos foi alimento – do you know what i mean?, nudge, nudge, do you know what i mean?
E, no fim, ainda deitados a olhar sei lá para onde, a conversa da vida, do rumo e do desejo, da idade, das complicações e dos sentimentos, dos encontros coloridos e da poeira envolvente voltou e agora está a assentar.
Deixá-la!