Por Charlie
-...A primeira vez é a que custa.....-
Despertou estranhamente muito antes do que esperara ser acordada conforme horas antes lhe pedira. Ainda sentia a cabeça dorida da noitada anterior e voltou-se longamente para outro lado derramando o corpo sobre a maciez dos lençóis.
Tornou a fechar os olhos voltando a abri-los numa fina tira, apenas a linha que liga o sono ao despertar, por onde observava as lâminas de luz que das persianas traziam fatias quase imperceptíveis do dia para dentro do quarto.
Durante os minutos soltos da semi-vigilia, apontamentos vagos, meros fragmentos da sua vida passaram-lhe diante dos olhos. A aldeia, a sua mãe, a escola na Vila e os primeiros insípidos namorados, e depois a vinda para Lisboa. Para a Universidade onde nunca chegara a completar todas as cadeiras do primeiro ano. Veio-lhe com toda força a lembrança da primeira noitada de copos com uns colegas. Da doçura de ter feito amor com aquele pelo qual se havia apaixonado loucamente, e do amargo e profunda mágoa que lhe rasgara a alma quando ele mesmo, no meio de risadas e cerveja, e esfumadas as juras de amor ditas no auge, lhe pedira para ir também com os outros...
Rodou o corpo na cama e esfregou o púbis contra o lençol do colchão, olhos novamente fechados, arrastando a lembrança incómoda das lágrimas e o desespero que então lhe haviam tomado todo o ser quando se afastara a fugir e as semanas seguintes em que tudo fizera para esquecer-se dele, pesasse embora o inevitável de se encontrarem frente a frente entre as aulas por diversas ocasiões. Ele sempre devidamente acompanhado de novas namoradas que ela fingia não ver enquanto ostensivamente o ignorava. Desaparecia então o mais depressa que podia para o refúgio de si própria onde se alimentava da dor e da autocomiseração, chorando no seu quarto enquanto olhava para os livros sem ver..
Depois, cansada de tudo, num salto em frente, um outro namorado para esquecer a fogueira de mágoas daquela paixão, e outro a seguir, e outro. Fora ela mesmo quem mais tarde se rira de si própria e da sua ingenuidade de jovem mulher quase ainda adolescente quando descobrira as outras fronteiras que o sexo franqueava. Lembrou-se da angústia da primeira vez que abrira o corpo a um estranho, um homem que mal acabara de conhecer…
- A primeira vez é a que custa...- Levara esta frase dentro de si, quando tendo gasto todo o dinheiro que a mãe lhe enviara nas noitadas e paródias que se haviam tornado rotina, fora apertada pelo senhorio para pagar de imediato os três meses da renda do quarto que estavam em atraso. Olhara-a gulosamente enquanto ela saíra porta fora sem dar resposta mas ela nem lhe olhara para os olhos quando na manhã seguinte lhe tocara à campainha e entregara uma parte comprometendo-se a pagar o resto nos dias seguintes...
Levantou-se, subiu um pouco as persianas afogando em luz o quarto, remetendo os pensamentos para as fronteiras das memórias distantes, enquanto mordiscando os lábios apreciava ao espelho as formas ainda jovens do seu corpo seminu. Olhou para o telemóvel e inspirou. Tirou-o da bolsinha olhando através da fresta da porta do quarto para a sala, certificando-se que estava só.
Retirou a nota de duzentos Euro dobrada em quatro que havia separado das outras, horas antes deixadas em cima da mesa, e que o homem com quem vivia tinha guardado aquando da sua chegada.
Experimentou um breve sorrir.
Este cliente prometia...
(Continua)