“Tenho a mania dos dramas”, disse-me ela, depois de me ter dito outras coisas, dessas que a gente ouve como se estivesse à conversa com os nossos próprios pensamentos.
Eu não lhe disse que também tenho, não era preciso. Nem lhe disse que de poeta também só tenho a alma. Nem lhe disse que também me fui tornando exigentemente selectiva quando chega o momento de entregar uma chave de mim. Às vezes não é preciso dizermos nada. Às vezes outra mulher pode ser o espelho de nós mesmas, ou melhor, a imagem aperfeiçoada de nós mesmas. Às vezes com outra mulher podemos baixar as defesas e mostrar o medo e a celulite, a cobardia e os cabelos brancos, a insegurança e as mamas descaídas.
Espreitei-lhe os gestos e o perfil enquanto fumávamos na varanda, enroladas na velha manta de lã. Adivinhei-lhe os contornos escondidos, escutei-lhe o silêncio. Estendi-lhe a minha mão fria e vazia e ela guardou-a no seu corpo quente.
Depois, sem beijos nem carícias, as duas percebemos que de tão pouco se fazem os momentos de serenidade.