(Passados quase cinco anos recupero um post da véspera das anteriores eleições legislativas. (Quase) cinco anos depois está tudo pior - e não falo só de já não dar o anúncio da Sagres com a Daniela Cicarelli. Na verdade, está tudo muito pior - o que ninguém imaginou que fosse possível (não, nem sequer o Medina Carreira.)
Período de Reflexão
Eu, sozinho em casa, sentado no sofá, quieto e com as mãos pousadas sobre os joelhos, a olhar para a televisão apagada. Calor fora de época e silêncio sepulcral.
A campainha toca. Levanto-me devagar, com ensaiado estilo. Há uma teatralidade excessiva nos meus movimentos como se estivesse a ser filmado. Caminho lentamente, tão lentamente que a campainha torna a tocar. Mantenho o passo para não prejudicar o estilo.
Ponho a mão no puxador. Hesito. Olho pelo óculo. Hesito. O som estridente da campainha regressa. Rodo a chave e abro a porta, muito devagar.
- Oi - cumprimenta-me a brasileira, toda promessas, chupando languidamente um chupa ("Um chupa misto?" podia perguntar mas não o faço).
- Olá - respondo, tão entusiasmado como se estivesse num velório.
- Posso? - pergunta ela, constatando a minha falta de movimento para a deixar passar. Não sei porquê olha-me para as mãos, vazias.
- Ó Daniela... - balbucio-lhe o nome em tom pesaroso. Olho-a sem expressão (mas cheio de estilo, claro) e informo-a lacónico, ainda que com um ligeiro sotaque brasileiro que não consigo evitar: - Hoje não dá.
- Mas... - Ela olha-me desolada. - Mas... - repete, rodando languidamente o chupa sobre a língua. - Tem a certeza? - pergunta num sussurro provocante com um sotaque de veludo, terminando com os lábios envolvendo o chupa que empurra e puxa devagar.
Engulo em seco e respiro fundo para ganhar coragem:
- Hoje é o período de reflexão - explico, apontando para os alvos dos dardos com as trombas dos candidatos. - Desculpa, Daniela, mas tenho de continuar a reflectir - e fecho a porta, suave mas resolutamente ante o olhar magoado e o beicinho triste da brasileira.