22 janeiro 2011
21 janeiro 2011
A posta que chovem carapuças (carapiças?)
Uma das cenas mais giras de acompanhar em blogues são as trocas de piropos entre casais desavindos. Neste domínio encontramos alguns exercícios brilhantes de escárnio e maldizer, acrescidos em dificuldade pela absoluta necessidade de dizer tudo o que é preciso para quem conheça consiga identificar o/a outro/a (sobretudo o/a próprio/a) sem contudo a coisa ficar escarrapachada em demasia para não tombar pela base a pala de absoluta e recíproca indiferença que tanto se esforçam por construir.
São intensas, mais até do que muitas ainda a decorrer, estas ex-relações amorosas trasladadas na sua qualidade de mortas-vivas para a plataforma blogueira. Transpiram emoção, ainda que alegadamente negativa, e constituem obsessões tão óbvias que cedo ou tarde acabam por se verem traídas naquilo que de mais importante existe para os/as autores/as: a camuflagem do seu verdadeiro sentir. E por vezes essa mascarada de carnaval pobrezinho até inclui sólidas referências à sinceridade e ao cariz genuíno de quem tantas vezes repete a ideia do ódio de estimação que quase acredita nesse estatuto por parte do alvo a abater.
A malta desunha-se a escrever quando não aguenta mais o faz de conta e por impulso (mais ou menos controlado) avança para o teclado com a loucura estampada no olhar.
Depois publicam-se as postas, ainda a ferver, e nem se aguardam uns minutos até ser possível matutar a sério acerca das palavras disparadas para a página branca no monitor. O desprezo desejado a tentar esconder por detrás o amor que custa sempre muito a morrer, as palavras com vontade de fazer doer porque a saudade abre a ferida e as memórias provocam imensa comichão e depois surge em cena a vontade da vingança que resulta sempre porque se sabe que o/a outro/a nunca perde pitada.
E a cena fica ainda mais marada quando se equiparam no calibre os oponentes, tanto na intensidade dos sentimentos como na capacidade de os reflectir num texto tão curto e contundente quanto seja possível obter.
Numa altura em que já ninguém pode esconder a sangria da blogosfera para a rede social da moda, onde toda a gente acha que tem que se estar, é sempre uma alegria encontrar estes prodígios da escrita rebuscada que se vê utilizada como artilharia, num bombardeio constante que para quem veja de fora é claro enquanto inconsequente e nunca existe um vencedor.
E ainda se torna mais fascinante quando identificamos os protagonistas dessas conturbadas mas intermináveis histórias de amor.
Presente no passado
Continuo, só por nada, por nadas, a espreitar
talvez passe um dia, até dois, ou mesmo três
mas ainda não, ainda não, não será de vez
este dia de hoje em que perdeste o meu olhar.
Talvez já nem me sintas, como antes, observar;
como antes, ainda sentes o que não me vês?
Já aqui não mora o sim, ou sequer o talvez;
espreito a tua janela, apenas, já não quero entrar.
É olhar apenas, como se estivesse a recordar
no presente, a memória esconde-se na timidez
de um olhar fora de tempo, esta triste nitidez
desenha os porquês que a memória quer apagar;
ou talvez um dia alguém te consiga explicar
que te quer ver bem pelo bem que não te fez.
talvez passe um dia, até dois, ou mesmo três
mas ainda não, ainda não, não será de vez
este dia de hoje em que perdeste o meu olhar.
Talvez já nem me sintas, como antes, observar;
como antes, ainda sentes o que não me vês?
Já aqui não mora o sim, ou sequer o talvez;
espreito a tua janela, apenas, já não quero entrar.
É olhar apenas, como se estivesse a recordar
no presente, a memória esconde-se na timidez
de um olhar fora de tempo, esta triste nitidez
desenha os porquês que a memória quer apagar;
ou talvez um dia alguém te consiga explicar
que te quer ver bem pelo bem que não te fez.
20 janeiro 2011
O testemunho
– E a senhora ouviu alguma vez o senhor A. dirigir alguma palavra incorrecta ou ter alguma atitude deselegante com a mulher, a senhora B.?
– Nunca!... Ele era um marido que aceitava tudo, era um paz de alma. O senhor A. era um burrinho à chuva.
– Um burrinho à chuva?!
– Sim, um burrinho à chuva. Até lhe vou contar um episódio, só para a senhora doutora ver como ele era com a mulher: eu uma vez fui lá a casa e ele estava a arear os bicos do fogão… Veja bem, a arear os bicos do fogão. Ela na sala a ver a novela e ele cheio de brios e cuidados de volta dos bicos. E eu disse-lhe, doutora, eu disse: Ó Cilinha (eu tratava-a por Cilinha… Por Cilinha, doutora, veja bem como eu gostava dela, nem lhe chamava Raimunda nem nada)…
– Não estou a perceber, a senhora não se chama Raimunda?
– Eu?! Eu não, Deus me livre!
– Eu sei que a senhora não se chama Raimunda…
– Graças a Deus e aos meus paizinhos.
– Seja. Voltemos aos factos.
– O facto é que ela não gostava, doutora, não gostava nada. Chamar-lhe Raimunda era pior que cuspir-lhe.
– Pronto, já percebemos. Essa parte do nome está esclarecida, D. Engrácia Genoveva. A senhora estava a dizer que lhe tinha dito…
– Sim, eu disse-lhe: “Ó Cilinha, quem me dera a mim ter um homem que me tratasse dos bicos como o teu… Que regalo. Olha para aquelas mãos tão cuidadosas de volta dos bicos, mulher, a rodeá-los com tanto cuidado, a esfregá-los com tanto carinho. Quem me dera que alguém me esfregasse os bicos assim…”
– E ela?
– Ela?! Ela virou-se para mim e disse-me: “E nunca o viste tu de joelhos a passar-me o corredor a pano”.
– Diga?
– Digo, doutora, digo… mas nisso ele não era tão bom.
– Desculpe?
– É verdade, eu até acho que ele tinha uma fixação por bicos, está a ver?… Para o resto não lhe puxava tanto.
– Ainda está a falar do fogão?
– Do fogão?! Ah, sim, sim, do fogão. Pois, dos bicos do fogão, ele estava a areá-los.
– Nunca!... Ele era um marido que aceitava tudo, era um paz de alma. O senhor A. era um burrinho à chuva.
– Um burrinho à chuva?!
– Sim, um burrinho à chuva. Até lhe vou contar um episódio, só para a senhora doutora ver como ele era com a mulher: eu uma vez fui lá a casa e ele estava a arear os bicos do fogão… Veja bem, a arear os bicos do fogão. Ela na sala a ver a novela e ele cheio de brios e cuidados de volta dos bicos. E eu disse-lhe, doutora, eu disse: Ó Cilinha (eu tratava-a por Cilinha… Por Cilinha, doutora, veja bem como eu gostava dela, nem lhe chamava Raimunda nem nada)…
– Não estou a perceber, a senhora não se chama Raimunda?
– Eu?! Eu não, Deus me livre!
– Eu sei que a senhora não se chama Raimunda…
– Graças a Deus e aos meus paizinhos.
– Seja. Voltemos aos factos.
– O facto é que ela não gostava, doutora, não gostava nada. Chamar-lhe Raimunda era pior que cuspir-lhe.
– Pronto, já percebemos. Essa parte do nome está esclarecida, D. Engrácia Genoveva. A senhora estava a dizer que lhe tinha dito…
– Sim, eu disse-lhe: “Ó Cilinha, quem me dera a mim ter um homem que me tratasse dos bicos como o teu… Que regalo. Olha para aquelas mãos tão cuidadosas de volta dos bicos, mulher, a rodeá-los com tanto cuidado, a esfregá-los com tanto carinho. Quem me dera que alguém me esfregasse os bicos assim…”
– E ela?
– Ela?! Ela virou-se para mim e disse-me: “E nunca o viste tu de joelhos a passar-me o corredor a pano”.
– Diga?
– Digo, doutora, digo… mas nisso ele não era tão bom.
– Desculpe?
– É verdade, eu até acho que ele tinha uma fixação por bicos, está a ver?… Para o resto não lhe puxava tanto.
– Ainda está a falar do fogão?
– Do fogão?! Ah, sim, sim, do fogão. Pois, dos bicos do fogão, ele estava a areá-los.
19 janeiro 2011
Do amor, segundo os meus alunos e não só
Um dos temas que os meus alunos de Pensamento Crítico em avaliação contínua mais escolhem, no âmbito dos textos argumentativos que têm de escrever, é o amor dito romântico. Sobretudo os de primeira matrícula e, dentro destes, aqueles que, porque são alunos de Direito na Universidade Católica do Porto, têm todas as certezas e repudiam quaisquer dúvidas (o que lhes vai passando, com a idade e a experiência), dissertam assertivamente sobre o que era o amor "antigamente" (mas há um "antigamente", para miúdos de dezoito anos, no que toca ao amor, ou somente um saber-por-ouvir-dizer, acrítico e heterónomo?) e o "desastre" em que se tornou hoje.
E porque as pessoas abandonam casamentos sem pensar, e que no tempo dos avós é que era em grande, porque os matrimónios eram para a vida toda (as/os amantes também, mas isso não ouviram eles dizer) e as pessoas eram felizes como tudo e não havia primos homossexuais (pois não, os que o eram tinham mulher/marido e filhos e amantes como os hetero-) e (já agora) o Natal era uma maravilha porque havia espírito familiar e consumismo zero e patati-patatá e trecolareco.
Quando leio estas atrocidades, apetecia-me fechá-los comigo numa sala e perguntar-lhes quem lhes mentiu tanto. E dizer-lhes que, se calhar, os avós e pais e tios que lhes contam estas patacoadas sonharam toda a vida em viver num país onde o divórcio fosse permitido ou numa cidade grande, onde não fosse uma vergonha trocar o marido ou a mulher por um/uma namorado/a. E que não tem mal algum pensar em amores em vez de no Amor, porque este tem várias caras e vários tempos e não dura para sempre. E (já agora), lembrar-lhe que hoje cada um vive o Natal como quer e que o espírito familiar não é inversamente proporcional ao consumismo, e que se na casa deles só sentem este último e nem réstea daquele, se calhar é melhor aproveitarem a consoada e terem uma conversa comprida, daquelas que as famílias à séria devem ter sempre que há uma chatice, com ou sem consumismo.
E, já que estava com a mão na massa, juntaria aos meus alunos um certo amigo, que acha que ficar com alguém de quem deixou de se gostar é altruismo: não se sente bem com a situação, mas tudo é melhor do que dar ao outro o desgosto de ficar sem a sua insuperável presença (porque isso seria, lá está, egoísmo, o que provavelmente constitui pecado mortal).
Fecharia a porta e deixá-los-ia a falar sem uma professora ou uma amiga a avaliá-los. Podia ser que, entre adolescentes e trintões, chegassem a uma qualquer conclusão, sem me porem com taquicardias nem vontade de lhes dar um valente puxão de orelhas.
E porque as pessoas abandonam casamentos sem pensar, e que no tempo dos avós é que era em grande, porque os matrimónios eram para a vida toda (as/os amantes também, mas isso não ouviram eles dizer) e as pessoas eram felizes como tudo e não havia primos homossexuais (pois não, os que o eram tinham mulher/marido e filhos e amantes como os hetero-) e (já agora) o Natal era uma maravilha porque havia espírito familiar e consumismo zero e patati-patatá e trecolareco.
Quando leio estas atrocidades, apetecia-me fechá-los comigo numa sala e perguntar-lhes quem lhes mentiu tanto. E dizer-lhes que, se calhar, os avós e pais e tios que lhes contam estas patacoadas sonharam toda a vida em viver num país onde o divórcio fosse permitido ou numa cidade grande, onde não fosse uma vergonha trocar o marido ou a mulher por um/uma namorado/a. E que não tem mal algum pensar em amores em vez de no Amor, porque este tem várias caras e vários tempos e não dura para sempre. E (já agora), lembrar-lhe que hoje cada um vive o Natal como quer e que o espírito familiar não é inversamente proporcional ao consumismo, e que se na casa deles só sentem este último e nem réstea daquele, se calhar é melhor aproveitarem a consoada e terem uma conversa comprida, daquelas que as famílias à séria devem ter sempre que há uma chatice, com ou sem consumismo.
E, já que estava com a mão na massa, juntaria aos meus alunos um certo amigo, que acha que ficar com alguém de quem deixou de se gostar é altruismo: não se sente bem com a situação, mas tudo é melhor do que dar ao outro o desgosto de ficar sem a sua insuperável presença (porque isso seria, lá está, egoísmo, o que provavelmente constitui pecado mortal).
Fecharia a porta e deixá-los-ia a falar sem uma professora ou uma amiga a avaliá-los. Podia ser que, entre adolescentes e trintões, chegassem a uma qualquer conclusão, sem me porem com taquicardias nem vontade de lhes dar um valente puxão de orelhas.
Pure chess
- Ó Cavalo das Brancas, porque é que a vossa Rainha deu à sola quando o nosso Bispo se aproximou dela?
- Ela assustou-se, Torre das Pretas, porque ele já a comeu à grande noutro jogo e hoje os serviços secretos avisaram-na que ainda por cima agora anda a tomar Viagra ao pequeno-almoço....
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