– E a senhora ouviu alguma vez o senhor A. dirigir alguma palavra incorrecta ou ter alguma atitude deselegante com a mulher, a senhora B.?
– Nunca!... Ele era um marido que aceitava tudo, era um paz de alma. O senhor A. era um burrinho à chuva.
– Um burrinho à chuva?!
– Sim, um burrinho à chuva. Até lhe vou contar um episódio, só para a senhora doutora ver como ele era com a mulher: eu uma vez fui lá a casa e ele estava a arear os bicos do fogão… Veja bem, a arear os bicos do fogão. Ela na sala a ver a novela e ele cheio de brios e cuidados de volta dos bicos. E eu disse-lhe, doutora, eu disse: Ó Cilinha (eu tratava-a por Cilinha… Por Cilinha, doutora, veja bem como eu gostava dela, nem lhe chamava Raimunda nem nada)…
– Não estou a perceber, a senhora não se chama Raimunda?
– Eu?! Eu não, Deus me livre!
– Eu sei que a senhora não se chama Raimunda…
– Graças a Deus e aos meus paizinhos.
– Seja. Voltemos aos factos.
– O facto é que ela não gostava, doutora, não gostava nada. Chamar-lhe Raimunda era pior que cuspir-lhe.
– Pronto, já percebemos. Essa parte do nome está esclarecida, D. Engrácia Genoveva. A senhora estava a dizer que lhe tinha dito…
– Sim, eu disse-lhe: “Ó Cilinha, quem me dera a mim ter um homem que me tratasse dos bicos como o teu… Que regalo. Olha para aquelas mãos tão cuidadosas de volta dos bicos, mulher, a rodeá-los com tanto cuidado, a esfregá-los com tanto carinho. Quem me dera que alguém me esfregasse os bicos assim…”
– E ela?
– Ela?! Ela virou-se para mim e disse-me: “E nunca o viste tu de joelhos a passar-me o corredor a pano”.
– Diga?
– Digo, doutora, digo… mas nisso ele não era tão bom.
– Desculpe?
– É verdade, eu até acho que ele tinha uma fixação por bicos, está a ver?… Para o resto não lhe puxava tanto.
– Ainda está a falar do fogão?
– Do fogão?! Ah, sim, sim, do fogão. Pois, dos bicos do fogão, ele estava a areá-los.