Lamento
mas faz tempo que já sei
tu nunca hás-de beijar o meu ombro
tu nunca hás-de afagar o meu cabelo
Porque, esse dia em que o fizesses, ao chegar
significaria que este meu amor que tenho
aqui, agora
este que me beija o ombro
este que me afaga o cabelo
já aqui não estaria
e, se esse dia chegasse,
eu não quereria existir
e, se por alguma tragédia medonha, macabra,
se por algum castigo impiedoso dos Deuses
eu continuasse a existir
ainda assim
não permitiria que mais ninguém
afagasse o meu cabelo
beijasse o meu ombro
não permitiria
que algum dia espantassem
o que sobra dele, do meu amor,
ainda que tudo o que sobre
de um amor eterno
seja a mais triste solidão.
Por isso, nunca mais me digas
que, um dia, ainda hás-de beijar o meu ombro
nunca mais me digas
que, um dia, ainda hás-de afagar o meu cabelo
porque eu ouço as tuas palavras doces
como a mais terrível, a mais cruel sentença,
o mais horrível destino
que alguém me poderia desejar.