07 setembro 2011

06 setembro 2011

Do eu para o tu...

Hora após hora,
dia após dia,
ano após ano,
uma vida esgota-se;
mas não faz mal:
vida após vida,
Deus há-de colocar-te
ao alcance das minhas acções
e eu saberei quem és
mesmo que ainda não te conheça
porque verei pele
onde antes só encontrei roupa,
porque verei rosto
onde antes só encontrei máscara
e o céu há-de reflectir-se da mesma forma
azul e gigante no teu olhar
porque os homens mudam o Mundo
mas ninguém consegue mexer no céu
e no espelho de uma alma.
No início dos tempos
um homem nasce de dentro para fora;
no início da nossa vida em cada vida
saberás quem sou
porque não te posso dar à luz
mas posso dar-te toda a luz que encontrar
(hei-de procurá-la para ti)
e tu hás-de nascer ou talvez renascer
desta vez, de fora para dentro
de fora para dentro de nós.

Postalinho de Florença

O Pedro Concertinas foi visitar o museu Galleria degli Uffizi di Firenze (Florença - Itália) e ficou estarrecido (seja lá o que for que isto queira dizer) quando se deparou com o que estavam a fazer ao Cristo neste quadro «Pietà di San Remigio», de Giottino (1320-1369):



Quase perfeito...

... e tu me fazes escrever,
pelo teu olhar impune,
pela tua voz musical,
pelo sexo que a língua
transmite.
E, eu escrevo pelos teus dedos
o último orgasmo.
Uns breves segundos bastam
para o poema quase perfeito...

Poesia de Paula Raposo

«Nuit de Noces» (noite de núpcias) - de Félix Steyne (1887)

Livrinho recebido de fresco (apesar dos seus 124 aninhos) para a minha colecção.

«Nuit de Noces» - Félix Steyne
Illustrations de FAU, GALICE et STEIN
EDITIONS MONNIER et Cie - 1887 - Livre relié demi-cuir - dimensions: 18 cm x 12 cm - 324 pages

Referenciado na «Revue des livres nouveaux», de Janeiro de 1887: "O que resulta deste casamento? Oh! Uma coisa que nós todos já vimos no Palácio Real ou em Cluny, uma caça ao marido que desaparece na noite de núpcias."



04 setembro 2011

Bebe-me

Bebe-me
que eu sirvo-te estremeções
que eu sirvo-te a dor
que eu sirvo-te rasgões
por uma gota de amor

«Jogo do Burro» - por Rui Felício


Chamava-se Albino, mas pouca gente sabia o seu nome. Era tratado e conhecido por todos como o Binão. Na década de sessenta, devia andar na casa dos 50 anos de idade.
Morava na Rua do Teodoro, numa minúscula casa térrea decrépita e era visto amiúde na zona das paragens dos trolleys do Calhabé a caminhar, bamboleante, umas vezes em direcção à Rua dos Combatentes ou outras a caminho de uma taberna que havia antes de se chegar ao Café Aquário. Gostava de jogar ao burro, no quintal da tasca, debaixo de uma parreira. Talvez por estar muito treinado ou talvez porque era baixa e, por isso, mais adequada à sua estatura, a bancada de madeira carcomida onde era preciso acertar com as malhas de chumbo nos quadrados do tabuleiro, facilitava-lhe o arremesso dos discos, e ganhava com frequência as partidas, emborcando de graça os copos de tinto que constituíam as apostas do jogo.
De cabeça quadrada e disforme, desproporcionada do corpo, pernas curtas, grossas e arqueadas, a sustentarem um tronco largo e musculado, de onde emergiam dois braços fortes que lhe chegavam aos joelhos, era senhor de uma força hercúlea que assustava quem se atrevia a ridicularizar a sua grotesca figura.
Nunca o vi rir, certamente pelo natural complexo da sua estatura anã de pouco mais do que 1,40 m. Quando enclavinhava, como uma tenaz, a sua mão no braço de alguém mais desprevenido, que tivesse tido a desdita de lhe dirigir alguma piada de mau gosto, rangiam-se-lhe os dentes e os ossos da vítima estalavam como cartilagens.
Curiosamente, neste jogo, disputado aos pares, o seu parceiro habitual era o enorme Calmeirão, conhecido mandador das fogueiras dos Santos Populares.
O Binão vivia pobre, sobrevivendo da paga de esporádicos recados que fazia.
Mas já tinha sido muito rico!
Na década de quarenta, ainda jovem, tinha-lhe saído a sorte grande na lotaria. Seiscentos contos, segundo se dizia! Uma fortuna!
Foi então que finalmente convencera a Alzira, por quem andava apaixonado há anos, a namorar e a casar com ele. Passando ele a ser dono daquela enorme fortuna, a Alzira, que até aí sempre lhe recusara os intentos, espantando-o de forma grosseira e sugerindo-lhe que “se medisse”, acabou por ceder às suas insistências.
Casaram na antiga igreja de S. José, perante os sorrisos dos convidados e a chacota de quem assistiu à cerimónia. Ela, elegante e bonita suplantava-o do alto do seu 1,70m e ele, de olhos em alvo e pescoço esticado, parecia fitar o céu quando a olhava.
Constava que o casamento não durara mais do que dois ou três meses, porque a Alzira, de quem se desconhecia o paradeiro, pela calada de uma noite, enquanto ele dormia, fugiu com uma mala cheia com todo o dinheiro que o Binão ganhara na lotaria e que escondia religiosamente debaixo do colchão.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações

E até poderia levar ketchup


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