16 julho 2012
«manual de instruções para zangas banais» - bagaço amarelo
São dez da manhã dum dia qualquer e o dia está como eu: cinzento. Não está chuva nem Sol, não está frio nem calor. Caminho de meias pela minha própria casa, à deriva, sem saber muito bem em que divisão devo parar. Ela acabou de sair, há cerca de dez minutos atrás e, para além duma taça de cereais suja em cima da banca da cozinha, não deixou mais nada. Nem um sorriso, nem um beijo, nem sequer um "até logo". O último som que ouvi na minha vida foi o da porta a bater, e tenho a sensação que foi há mais tempo do que esses dez minutos. Depois fez-se silêncio.
É nesse silêncio que tento perceber que tipo de zanga é a nossa. Não consigo. Sei que ontem tentei fazer Amor com ela quando nos deitámos e ela, que já tinha vestido a camisa de dormir, apagou a luz do pequeno candeeiro da mesa de cabeceira e disse-me que estava cansada. Não liguei. Adormeci também. Hoje de manhã disse-me que, apesar dos nossos dez anos juntos, parece que ainda não a conheço. Depois saiu. Sento-me no sofá da sala e faço uma lista daquilo que sei dela e que, dentro do que é humanamente possível, tento cumprir.
Lista das coisas que sei sobre a Teresa:
- gosta que eu ponha os copos maiores na parte de trás do armários da cozinha e os mais pequenos à frente.
- gosta que eu veja os jogos de futebol na televisão com o som desligado.
- gosta de ser ela a temperar as saladas, mesmo que seja eu a fazê-las, e não podem ter milho.
- gosta que eu tire as palmilhas dos sapatos e deixe tudo, antes de me deitar, na janela da cozinha.
- gosta de beber um chá de hortelã à noite, enquanto eu bebo um café expresso sem açúcar.
- gosta que eu ponha os catálogos do IKEA e a Dica da Semana junto à sanita, para ela ler quando vai à casa de banho
- detesta que o saco de lixo orgânico comece a deitar cheiro.
- gosta de ser ela a escolher as peças de roupa que vão à máquina de lavar, por causa do tipo de tecido e das cores.
- gosta que as garrafas de vinho fiquem na despensa e que, caso alguma já esteja aberta, fique dentro dum armário.
São tudo coisas pelas quais já tivemos zangas banais. Uma vez, por exemplo, partiu um copo grande ao pegar num dos pequenos, que eu tinha guardado mais ao fundo, e ficou quase a noite toda sem me falar. Depois, antes de nos deitarmos, resmungou que a casa precisava de mais organização. Nessa noite também não fizemos Amor. Nunca fazemos quanto temos esse tipo de zangas. Tanto quanto me lembro adormeci já depois das quatro da manhã, a pensar se aquela palavra - organização - seria um pedido ou uma espécie de ordem nazi. Deviam ser umas três quando me levantei e fui um bocado até à sala, beber um copo de leite morno e deitar-me no sofá a ver as miúdas avantajadas dos programas nocturnos da televisão. Ela levantou-se e veio-me buscar assim que deu pela minha falta na cama. Ainda dá pela minha falta, pensei.
Devo ter adormecido neste mesmo sofá. Pelo menos é ela quem me acorda agora, depois de ter lido o papel com a lista que estava ligeiramente amarrotado entre os meus dedos. Nem sequer a ouvi entrar.
- Podes acrescentar aí uma coisa. - diz.
- Qual? - bocejo.
- Gosta que lhe perguntem como está, de vez em quando, principalmente nos dias em que anda doente.
- Como estás?
- Com vontade de te bater - beija-me.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
O dia em que o cachorro quente virou vegetariano
Eu nunca entendi quem pede cachorro quente sem salsicha, na boa.
Capinaremos.com
15 julho 2012
Maldita partícula!
Essas tuas pupilas a gotejarem sensualidade como se os espermatozóides te subissem dos capilares até à menina-do-olho feita glande deixam-me excitada logo pela manhã. O teu cabelo espetado de gatinho a aninhar-se entre as minhas coxas, mesmo à mercê das minhas mãos, como num close-up, para me mimosear com uma balada de sons guturais entre lambidelas percorre-me o corpo numa urgência de acção para te beijar na boca e rapidamente descer em linha recta para a guloseima e, num grande plano, agarrá-la com ambas as mãos na ânsia de a sugar toda enquanto os meus dedos pardalitam pelo meio das tuas pernas a tocar um quero, quero-te, quero-te todinho. As tuas mãos, em avaliações sucessivas da copa dos meus seios, puxam-me para te entronizares canoísta das minhas zonas húmidas, em tentativas sucessivas de canal abaixo canal acima como se fosses um gondoleiro a entoar vem, vem, vem comigo, até o meu indicador nos lábios entreabertos te dar a indicação para alapares as mãos nos meus quadris, com as nádegas como vista, e após a palpação prévia subires uns centímetros o barco para vogar no estreito e completar a trilogia clássica da boca, cona e cu.
Mas saciados que estamos do fascínio mútuo do nosso argumento convirás que uma mulher não é de ferro e, em vez da dopamina do skype matinal faz-me falta noitadas ao vivo e a três dimensões.
«Fatias do tempo» - João
"O trapézio que se desenhava no chão era muito maior do que a janela por onde o sol entrava, atravessando aquele estúdio numa longa diagonal, testemunho de uma tarde que findava com tons laranja. Ao fundo, na parede mais distante, um longo rolo de papel negro desenrolava-se desde o tecto até ao chão, e depois por alguns metros mais, sob uma cama de alvos lençois e almofadas grandes. Tu estavas sentada, virada para o sol, coberta por um robe branco que havia escorregado pela coxa esquerda, deixando-a a aquecer ao sol. Olhavas-me sem impaciência, mas também sem calor.
Anos antes, mesmo ali naquele espaço, havia sido diferente. Recordo-me como também nessa altura tinhas um robe branco, fino, desapertado. Não tinha sido difícil despir-to, nem o tempo da nudez parecia suficiente, de tanta que era a vontade. Tinhas lançado as tuas mãos ao meu corpo, cruzado os teus pés atrás das minhas costas, estavamos colados na melhor negação do paradoxo de Zenão. Não havia pontos intermédios. Onde o meu corpo terminava, começava o teu. Entre lábios que se mordiam e mãos sem espaço todos os minutos pareceram tão poucos. Impaciência, muita. E um olhar quente. Mesmo sem falar dizias-me que me querias. E continuavas querendo enquanto o sol desaparecia lá longe por entre as árvores, e o espaço outrora luminoso dava lugar a uma penumbra de onde não nos apetecia sair.
Cruzei o meu olhar com o teu no momento em que um clique me dizia que a câmara estava encaixada no tripé. Depois liguei-a e espreitei naquele rectângulo pequeno onde o teu corpo surgia distante, acompanhado de números. Despiste sozinha o robe que ainda te cobria parte da pele e deitaste-te sobre a cama, olhando já não para mim mas para uma lente fria. A luz rápida de um flash, com um barulho agudo, fez-se sentir, e o instantâneo estava feito. Como fatias do tempo. Cada fotografia uma fatia de coisas que nunca voltariam a ser. Foi assim que te vi ir embora, em fatias do tempo, feitas atrás de uma máquina que me escondia e me deixava imagens de algo que eu sabia, já ali, que nunca voltaria a ter."
João
Geografia das Curvas
Anos antes, mesmo ali naquele espaço, havia sido diferente. Recordo-me como também nessa altura tinhas um robe branco, fino, desapertado. Não tinha sido difícil despir-to, nem o tempo da nudez parecia suficiente, de tanta que era a vontade. Tinhas lançado as tuas mãos ao meu corpo, cruzado os teus pés atrás das minhas costas, estavamos colados na melhor negação do paradoxo de Zenão. Não havia pontos intermédios. Onde o meu corpo terminava, começava o teu. Entre lábios que se mordiam e mãos sem espaço todos os minutos pareceram tão poucos. Impaciência, muita. E um olhar quente. Mesmo sem falar dizias-me que me querias. E continuavas querendo enquanto o sol desaparecia lá longe por entre as árvores, e o espaço outrora luminoso dava lugar a uma penumbra de onde não nos apetecia sair.
Cruzei o meu olhar com o teu no momento em que um clique me dizia que a câmara estava encaixada no tripé. Depois liguei-a e espreitei naquele rectângulo pequeno onde o teu corpo surgia distante, acompanhado de números. Despiste sozinha o robe que ainda te cobria parte da pele e deitaste-te sobre a cama, olhando já não para mim mas para uma lente fria. A luz rápida de um flash, com um barulho agudo, fez-se sentir, e o instantâneo estava feito. Como fatias do tempo. Cada fotografia uma fatia de coisas que nunca voltariam a ser. Foi assim que te vi ir embora, em fatias do tempo, feitas atrás de uma máquina que me escondia e me deixava imagens de algo que eu sabia, já ali, que nunca voltaria a ter."
João
Geografia das Curvas
Escolhi esperar
Ricardo - Vida e obra de mim mesmo
(crica na imagem para abrir aumentada numa nova janela)
14 julho 2012
«conversa 1898» - bagaço amarelo
Ela - Não me devias ter telefonado agora.
Eu - Porquê?
Ela - Estou a fazer uma coisa que ninguém pode fazer por mim.
Eu - Estás na casa de banho?
Ela - Não. Estou a dizer mal das amigas todas do meu marido.
Eu - A quem?
Ela - Ao meu marido, claro. Nunca diria mal das amigas dele a mais ninguém. Não tenho mau carácter.
Eu - Estás mesmo?
Ela - Só de algumas, pronto.
Eu - E dizes mal de mim?
Ela - Tu és meu amigo. Ele é que me diz mal de ti, de vez em quando.
Eu - Quando é que te posso ligar, então?
Ela - Daqui a uma horinha, pode ser?
Eu - Uma hora?!
Ela - Sim. Sempre que nos pomos a dizer mal dos amigos do outro, precisamos de pelo menos uma hora.
Eu - E fazem isso regularmente?
Ela - De vez em quando. É uma forma de fortalecer a relação.
Eu - E o teu marido está aí a ouvir a nossa conversa?
Ela - Sim, e já está a dizer que és um chato.
bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»
13 julho 2012
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