10 novembro 2012

«pensamentos catatónicos (277)» - bagaço amarelo

a mulher-objecto

Os objectos são todos estúpidos. A maior parte das vezes não nos apercebemos dessa estupidez latente em tudo o que nos rodeia e não vive, e quando nos apercebemos é demasiado tarde. É o Amor, ou a falta dele, ou a confusão nele, que nos faz sentir a estupidez dos objectos.
O problema é que nós sentimos sempre alguma coisa pelos objectos, nem que seja desprezo, e os objectos nunca sentem nada por nós. Este desequilíbrio da vida começa logo quando ainda somos crianças e decidimos dormir com um objecto qualquer. Adoptamos um urso de peluche, por exemplo, e fazemos tudo por ele durante anos a fio. Aguentamos firmes uma infância inteira, sempre leais, e quando finalmente os nossos pais, já preocupados com a nossa criancice aguda, nos separam à força, somos sempre nós que choramos. Nunca ele.
Hoje sentei-me no estúpido do meu sofá, por exemplo, com as mãos na cabeça e preocupado com a minha vida. Depois levantei os olhos e estavam todos na mesma, os objectos. A minha caixinha de música à espera que lhe desse corda, o televisor desligado e os sapatos amontoados a um canto da sala.
Os objectos fazem-nos perceber a nossa própria insignificância. Estão sempre na mesma, demonstrando que o mundo existe para além de nós, do que sentimos e de quem Amamos ou odiamos. A maior parte das vezes não nos damos conta disso, e quando damos é demasiado tarde. Para nós, não para os objectos.
Acho que é daí que vem a expressão mulher-objecto. Acabei de a ouvir, vinda amargurada da boca dum amigo meu. Dizia ele, enquanto virava as páginas duma revista qualquer com mulheres bonitas, que detesta mulheres-objecto. Eu percebo-o. Mulheres-objecto são aquelas por quem sentimos alguma coisa mas que se estão nas tintas para nós. São objectos, só porque nos fazem perceber a nossa própria estupidez e insignificância.


bagaço amarelo
Blog «Não compreendo as mulheres»

Estatuetas da minha colecção

Estatuetas grandes (mais de 60 cm de altura). Uma delas em resina pintada e as outras duas em bronze. Fazem excelente companhia (umas às outras e a quem as visita).



Um sábado qualquer... - «Prazos»



Um sábado qualquer...

09 novembro 2012

«Como vamos fazer isto?» - João

"Foi há bem mais de meia hora que te deixei. Boa-noite e desejos de bom descanso. Uma porta, duas portas. E agora todo o corredor, longo, se invade por luz ténue, quebrada por sinais de saída de emergência em tom brilhante. O silêncio é quase absoluto, quebrado apenas por um quase inaudível ruído mecânico longínquo que não consigo identificar.

Estava deitado na cama, depois de um duche tardio, a folhear um jornal enquanto o sono não me alcançava , quando da porta do meu quarto emanaram sons de quem pretende entrar. Admito que a princípio os ignorei. Poderia ser engano. Não esperava ninguém. Queria dormir. Fiz silêncio e agucei os sentidos. Mas então voltas a bater suavemente à porta. Hoje sei que eras tu, mas naquele momento senti a inquietude de um som inoportuno que me obrigava a agir, a levantar-me, a questionar. Quem é, lancei eu. A tua voz, baixa, pediu-me que abrisse. Fui tomado por um conflito de surpresa e antecipação e, enrolando à volta da cintura uma toalha de banho, abri-te a porta daquele quarto de hotel. Trazias determinação no olhar, e não sabia se algo mais. Empurraste a porta com a mão direita concluindo o gesto que eu havia iniciado, e, avançando, empurraste-me com a mão esquerda contra a parede. Com o pé, devolveste a porta à condição de fechada. Em bicos de pés aproximaste-te do meu ouvido e disseste-me “És doido varrido”. Depois fizeste uma pequena pausa, durante a qual me olhaste fixamente, e ao outro ouvido remataste “e muito palhaço”.

Sou obviamente um palhaço. Consciente. Ser palhaço coloca-me na vulva das mulheres sem nunca efectivamente lá estar. Sendo palhaço faço-as rir. E quando as faço rir, movimento-lhes músculos que também participam em orgasmos. Fazer as mulheres rir é como fazê-las vir. Basta trocar uma letra, e por vezes o verbo nem interessa. Rir, vir, é como quiserem. É como quiseres. Desde que seja primário, desde que seja bruto quando é preciso, suave quando convém. Assim, bem vês, ser palhaço é tudo quanto me resta. Prometer emoções que dou sem dar. Foder-te sem te tocar, apenas com uma palavra ou até com uma sequência de ideias que te faz surgir uma emoção, um espasmo, uma bolha que aumenta até rebentar num riso incontrolável, que te preenche o sangue de químicos de bem-estar. No fim das minhas palhaçadas poderás estar tão dorida e tão cansada quanto estarias se tivesses experimentado o meu corpo. As minhas técnicas. A transformação de uma ideia num estímulo físico.

Quando terminas o teu pensamento, chamando-me palhaço, não consigo evitar sorrir. E nem sequer me incomodo. Não me insultas quando o dizes, nem eu o entendo assim. Voltas a fixar-me o olhar e vês-me sorrir. E acabas também tu por sorrir. Mas por pouco tempo, porque te coloco as mãos nos ombros e cabelo e tu lanças-te à toalha que me rodeava a cintura. Arranca-la com rudeza expondo a minha nudez. Há algum embaraço momentâneo que quebro quando lanço mão à tua roupa e te dispo. E então, por fim, ambos despidos de quase tudo – havia ainda máscaras e complexos -, ficamos encostados cada um à sua parede. Do meu ponto de vista, tenho a porta do quarto à minha esquerda. A cama mais longe, à direita, e tu estás nua à minha frente.

Como vamos fazer isto? Perguntas.

Podemos fazê-lo de várias maneiras, exclamei. Expliquei-te que podia rodar-te até ficares de costas para mim, que te podia segurar os pulsos enquanto te penetrava profundamente. Ou então, que te podia empurrar para cima da cama, com a mão sobre os teus olhos para que nada visses, enquanto trabalhavamos os músculos do baixo ventre. Ou podias saltar sobre mim, cavalgando no luar. Qualquer coisa.

Não. Não é isso. Como vamos fazer isto? Inquiriste novamente.

Uma única vez, seja noite, manhã ou tarde. Até que te venhas. Até que me venha. Até que saibas que isto é verdade e eu saiba que és assim. Até que perceba que no mundo há mais gente assim, que não és caso isolado, que não sou caso isolado. Pode ser uma hora, pode ser uma noite inteira, até partir, até doer, até rachar. Mas uma única vez. Dura. Bruta. Aparentemente fria. Mas vais partir, rachar, esmagar. Eu sei que vou.

Como vamos fazer isto? Repetes. Do meu ponto de vista, tenho ainda a porta do quarto à minha esquerda. A cama permanece à minha direita, e tu estás nua, aproximando-te de mim com sorriso jocoso e repetindo baixinho “como vamos fazer isto…”."

João
Geografia das Curvas

Agora que falas nisso...

Porque sentimos ciúme? Por instinto de posse ou pelo apego à monogamia que a nossa educação incute? Por amor a outra pessoa ou a nós mesmos?

Indizível



Visto o chão quente da marcha dura
do vento pesado que vos empurra
para o uivo sombrio do anoitecer...
Seguro a caminhada dorida e monocórdica
deste fluxo de sangue e nervos,
elevando os corpos salgados
pela montanha acidentada... granítica,
de onde escorre uma névoa ao longo dos cabelos de chuva!

E neste movimento perpétuo de marés,
estanco o tempo e o refluxo do amanhã,
como se no presente coubessem o sonho e o indizível!

Lua Cósmica
http://luacosmica.blogspot.pt

Medindo o amor



Meninas WTF

08 novembro 2012

Este nosso blog faz hoje 9 anos...

... de publicações diárias e ininterruptas da malta da fundiSão e de 2.659.939 visitas até ao momento em escrevo isto.
A Maria Árvore não deixou passar a ocasião e fez-nos um bolo, que o OrCa decorou com uma ode:

"vais a nove, minha São
virão dez a esta Funda,
penso já com emoção
na malta que aqui abunda

sopra por mim essa vela
com o fervor que nos move
mas não aspires, cautela,
não vá sair blow job..."


Parabéns a nós!
E faço votos para que, no próximo aniversário, a minha colecção tenha já um espaço de exposição permanente.

Vamos foder, querido amor

Paul-Émile Bécat (1885-1960)

"Vamos foder, querido amor; p'ra dentro e p'ra fora,
Pois temos a obrigação de foder por termos nascido,
E tal como eu anseio por cona, tu anelas por corno,
Porque, sem isso, o mundo não faria sentido.

Se depois da morte fosse decente ser possuído,
Eu diria: Vamos foder, vamos foder até morrer;
Uma vez lá, todos foderemos - tu, Adão, Eva, e eu -
Pois eles inventaram a morte e pensaram-na má.

É verdade que mesmo que aqueles dois primeiros ladrões
Nunca tivessem comido aquele fruto pérfido,
Nós ainda saberiamos como foder (mas não usar folhas).

Mas agora deixemo-nos de conversas; apontemos e disparemos
A picha direita ao coração, e façamos com que a alma
Seja arrebatada ao morrer em uníssono com a verga.

E poderia o vosso grande buraco
Receber como testemunhas estas bóias oscilantes
Para uma interna declaração das nossas alegrias ?"

Pietro Aretino (1492-1556), Sonetti Lussuriosi 9 (1525)


Talvez Foder by Pedro Abrunhosa on Grooveshark blog A Pérola

«A Última Tanga em Paris» - Patife

Regresso de três merecidos meses de ausência, como todos os anos me imponho. Há quem me acuse de sofrer do síndrome de Peter Pan por continuar a ter três meses de férias como as crianças. Eu acho que é síndrome de sábio. Que não resiste a meter o nabo em qualquer lábio. Mas isso agora não interessa. Importa que o Patife está de regresso para mais uma temporada de pinadas fora de série, com relatos sobre abocanhamentos superiores, histórias que acabam com pulmões com nódoas negras provocadas pelo tamanho do meu pincel, e ainda traqueias molestadas, ânus estafados, capacidades de sucção dignas da mais avançada engenharia bucal, tiradas e metidas de engate, poesias de fusão sexual, técnicas refinadas de penetração e quecas com hippies com vaginas à boca de sino. Regresso após cruzeiros no Egipto e nas ilhas gregas, mas também passei uns dias em Paris durante estas férias. Depois de muito montar cheguei ao último dia em Paris e disse de mim para o Pacheco: Rapaz, hoje prepara-te que vamos só passear. Quero aproveitar o último dia aqui para fazer a vontade aos meus olhos em vez de andar a dar prazer aos entrefolhos franceses. O safado pareceu entender-me mas foi só para me apanhar desprevenido. Estava eu todo contente em Montmartre quando avisto uma delirante francesa de saia branca curta de onde se podia ver uma majestosa tanga. O Pacheco deu de pronto sinal e fez soar no meu imaginário uma referência cinematográfica. Depressa me apercebi que teria ainda de retirar uma última tanga em Paris. Ela, assim que me viu a falar francês a enrolar a língua, percebeu logo que eu era um carro alegórico da minetada. Mas é aí que gosto de as surpreender. É certo que sou um mágico da trombada mas sou igualmente um exímio manuseador. Um mago do toque no papo. Um craque da crica. Um rei da dedada. Um justiceiro da chona tocada. Por isso, molestei-lhe manualmente a pachacha como nunca ninguém o havia feito. Estas mãos que vos escrevem dedilharam os recantos da crica flausina com tal primor e arte, que me senti como um autêntico Rachmaninoff da pachacha. Até escalas perfeitas consegui sacar-lhe em gemidos.

Patife
Blog «fode, fode, patife»

«Sons do sexo (inspirados em eventos reais)

«Cheburashka Rules» - por Luis Quiles


"Como hace tiempo que no pongo nada nuevo, mientras termino los trabajos que estoy haciendo ahora, he decidido rescatar un dibujo antiguo y subirlo aqui.
Es una prueba que hice mezclando la antigua propaganda soviética con las pin-up...Y este es el resultado.
Siempre que puedo evitarlo intento no mezclar la política con el arte, o almenos no de una manera propagandistica. En este caso me interesa la estética de la antigua propaganda comunista. No tanto el resultado de la política. Aun así, creo que casi ninguna idea es negativa, lo que la convierte en negativa es al pasar por el filtro del hombre, que lo corrompe todo para su propio beneficio.
Así que mi lema es, «menos Lenin y mas Lennon»."


Luis Quiles

07 novembro 2012

«Carta a uma Jovem Portuguesa» - relembrada por Rui Felício


Em Abril de 1961 é publicada na Via Latina a “Carta A Uma Jovem Portuguesa”, do estudante Artur Marinha de Campos.
Foi uma pedrada no charco putrefacto da falsa moral e dos apregoados bons costumes que Salazar impunha para defesa de um puritanismo ultrapassado e balofo.
A carta denunciava a diferença abissal entre os direitos e comportamentos dos rapazes, em contraponto à passividade das raparigas, educadas para viverem no fingimento e na mentira, proibidas de expressarem livremente os seus sentimentos.
Aquela carta tornou-se uma bandeira, um verdadeiro manifesto que despertou as consciências e libertou as amarras e os preconceitos da juventude mais instruida.
O regime sentiu-se atingido numa das suas principais carateristicas basilares de amordaçar as liberdades.
E a reacção não se fez esperar.
As autoridades fizeram circular os boatos mais ordinários e insultuosos, através dos quais se acusavam as raparigas estudantes de se prostituirem, de fazerem sexo indiscriminadamente com o primeiro rapaz que se lhe deparasse e que o faziam nas matas do Jardim Botânico, ofendendo, com os seus comportamentos, os sãos principios das “pessoas de bem” das senhoras, e das crianças que passeavam naquele Jardim.
A seguir, mandaram fechar os portões do Jardim Botânico todos os dias depois do pôr do sol.
Antes disso, o Jardim estava aberto 24 horas por dia. Não sei se a restrição ainda se mantém nos tempos actuais.
Aquela carta foi um importante marco na libertação mental das mulheres portuguesas. Que ultrapassou as fronteiras de Coimbra e pouco tempo depois atingiu as Universidades de Lisboa e do Porto.

Rui Felício
Blog Encontro de Gerações

Reprodução integral da «Carta a uma Jovem Portuguesa» no «Via Latina» nº 130, de 19 de Abril de 1961 aqui.


Excerto da «Carta»:
"«A minha liberdade não é igual à tua. Separa-nos um muro, que nem eu nem tu construímos. A nós, rapazes, de viver do lado de cá, onde temos uma ordem social que em relação a vós favorece. Para vós, raparigas, o lado de lá desse muro; o mundo inquietante da sombra e da repressão mental. (…) Beijas-me e sofres. Dizes, não o devia ter feito, porque julgas que o deverias ter pensado.»"

Excerto de uma abordagem interessante em Esquerda.net: "É neste ambiente que, em Abril, rebenta o escândalo da publicação do texto “Carta a Uma Jovem Portuguesa”, do estudante Marinha de Campos, no Via Latina, semanário da Associação Académica de Coimbra. O texto torna-se um manifesto contra o moralismo serôdio do salazarismo(...) Sucedem-se as acusações e, nas hostes associativas, o embaraço é grande. Mesmo para as estudantes mais emancipadas, como as do Conselho Feminino da AAC, não é fácil tomar partido pelo texto. No Encontro, jornal da Juventude Universidade Católica, é denunciada a «apologia descarada do amor livre e a negação de toda a espiritualidade do matrimónio». A direção associativa remete-se ao silêncio e o jovem Marinha de Campos aceita dar explicações em Assembleia Magna, onde se defende timidamente, tentando evitar o encerramento da AAC, temido por muitos. O Via Latina publica uma edição aberta às críticas à Carta, sem a valorizar, em nome da liberdade de expressão."

E recomendo também a leitura deste «Resumo d´A reidentificação do feminino e a polémica sobre a “Carta a uma Jovem Portuguesa”, de Rui Bebiano e Alexandra Silva, publicação do nº 25 da Revista de História das Ideias (2004)» no blog «Mátria Lusitana».